Entrevista por André Luiz – Imagens por divulgação – Edição por André Luiz
A música é uma linguagem universal a qual reúne diferentes pessoas dos locais e gostos mais distintos através da sonoridade. Dentro do Heavy Metal há vertentes das mais variadas, do folk ao black metal, nuances mais voltadas ao death/thrash ou ao power melódico, da complexidade do prog/symphonic aos acordes mais simples do hard/punk… Há bandas que conseguem reunir influências distintas em uma sonoridade agradável ao ouvinte, ora complexa ora surpreendendo mesmo na simplicidade, reunindo elementos até certo ponto inusitados se tomarmos como comparativo o tradicional. Desta forma apresentamos o projeto ‘Espresso Della Vita’ da banda Maestrick, um ambicioso trabalho dividido em dois álbuns, cuja primeira parte ‘Solare’ traz influências da “Divina Comédia” de Dante, dezenas de participações especiais de músicos do Brasil e exterior, trechos de repente clássico ou instrumentos tipo berrante ou buzina, relatos pessoais mesclados com conceitos até certo ponto complexos. Nesta entrevista exclusiva com o vocalista Fábio Caldeira, exploramos a história desta ousada obra e abordamos temas relacionados a história da banda Maestrick no decorrer de seus 13 anos de carreira.
André Luiz – Primeiramente muito obrigado pela entrevista. Em 13 anos de Maestrick, são 02 EP’s sendo um deles de covers, dois álbuns full lenght – com prenúncio do terceiro conforme abordaremos nesta entrevista –, shows tanto pelo Brasil quanto em países da América do Sul, a primeira excursão pela Europa, feedbacks positivos da imprensa especializada mundo afora… Se a banda impressionou pela mescla de estilos no ‘Unpuzzle!’ de 2011, a ousadia do novo projeto dividido em duas partes e a maneira como foi abordada no ‘Espresso Della Vita: Solare’ evidenciaram o crescimento da banda. Quais principais características vocês apontam como diferencial entre os trabalhos de 2011 e 2018? A manutenção da base do line up formado pelo trio Fabio/Renato/Heitor contribui para uma aposta tão ousada quanto esta do ‘Solare/Lunare’?
Fábio Caldeira – Obrigado a você, André! Eu acredito que as principais diferenças estão relacionadas aos diferentes momentos que nos encontramos nas nossas vidas. Na época que começamos a compor o ‘Unpuzzle!’, a media de idade na banda era de 20 anos, então não tínhamos tantas responsabilidades quanto hoje, quando estamos todos começando nossas famílias. Eu quero dizer que atualmente estamos muito mais conscientes de quem somos e de onde estamos do que antes, e isso acaba refletindo na nossa arte. Antes a gente não sabia realmente como as pessoas receberiam nossa forma de fazer música. Claro que fizemos nosso melhor e que tínhamos algumas expectativas, mas depois da recepção que tivemos, e logo no primeiro disco, nos sentimos mais seguros e confiantes. Isso, e o fato de sermos bem disciplinados nos estudos dos nossos respectivos instrumentos, acabam por contribuir para que tudo flua cada vez melhor, de um trabalho para o outro. E nós três somos uma família, irmãos, e isso contribui positivamente para tudo o que fazemos.
André Luiz – Seguindo a temática do
‘Solare’ sobre as experiências de vida, a Maestrick fez sua primeira turnê para
Europa na divulgação do novo álbum. Como foi esta experiência inédita, tanto
individualmente para vocês músicos quanto para a banda como um todo? No tocante
a produtores, público, casas de show, mídias, bandas, enfim, tudo o que cerca o
âmbito de uma tour, quais diferenciais vocês notaram em meio a esta experiência
inédita?
Fábio – Eu creio que é uma
experiência definitiva para qualquer pessoa. Ela literalmente separa, como
dizem: “as crianças dos adultos”. Quero dizer que é algo que leva você ao
limite em vários sentidos, desde a parte física, onde no meu caso, preciso me
cuidar para manter a voz em dia em condições adversas, dormindo pouco, não me
alimentando bem as vezes, com mudanças bruscas de temperatura, fusos
diferentes, até a parte de relação entre os integrantes, onde, se houver
maturidade, é muito fácil reforçar os laços, mas também é muito fácil afrouxar.
Felizmente, apenas nos fortalecemos e isso é muito confortante. Como banda,
percebemos que estamos prontos para o que der e vier. A recepção do público foi
a melhor possível, seja por onde passamos. O local que mais sentimos diferença
positivamente, foi na Suíça. No primeiro show que fizemos, o dono do local era
um chef de cozinha português, e além da questão de podermos falar com ele em
português, ele fez um banquete para nós. Foi inesquecível. O produtor dos dois
shows que fizemos na Suíça e do primeiro show da Itália, foram sensacionais
também.
André Luiz – Aproveitando o assunto sobre shows e iniciando os questionamentos mais aprofundados sobre o ‘Espresso Della Vita: Solare’, a Maestrick fez uma apresentação de destaque no Abril Pro Rock 2019, e entre os convidados, levou o Movimento Baque Mulher FBV para executarem “Penitência” – um casamento perfeito com o conceito da música. A faixa do mais recente álbum pode ser considerada a mais “pesada” do disco, mesclando uma letra subjetiva citando diversos elementos da música e folclore brasileiros com riffs e ritmos regionais no melhor estilo world music, a participação especial de Dona Rose – avó do vocalista Fabio Caldeira – e finaliza com um trecho do repente clássico “Passado e Presente” de Moacir Laurentino e Sebastião da Silva. Em resumo: uma explosão de misturas resultando em uma das melhoras músicas de 2018. Como surgiu o conceito desta faixa? Comentem sobre a experiência do Abril Pro Rock 2019 e a ideia para o convite ao Baque Mulher.
Fábio – Poxa, muito obrigado mesmo. A “Penitência” começou a ser composta a partir do riff inicial que surgiu do nada. Eu me peguei um dia cantando ele sem perceber (risos). Aí gravei na hora no meu celular, mas mesmo assim fiquei com ele na cabeça o dia inteiro. Aí pensando sobre o que ele poderia representar, pensei em um repente, que é algo que eu gosto muito. Então a possibilidade de um “repente metal” fez sentido e a música começou a tomar forma. No meio dela, a parte que a minha vó canta, é o momento que uma procissão passa na frente do trem. É uma imagem muito forte, que representa muito a cultura do interior do Brasil. E aí tínhamos que trazer alguém que cantasse de verdade, de forma pura e genuína o trecho. Nem preciso falar que foi muito emocionante ver minha avó gravando né? Ela veio toda maquiada para o estúdio, e fez lindamente a parte dela. E falando em verdade, foi nossa intenção, ao aceitar a indicação do nosso querido amigo e parceiro, Eliton Tomasi, de convidar o Baque Mulher, primeira nação de maracatu unicamente feminina do mundo, para tornar mais especial ainda, um momento tão importante pra gente, que foi a participação no Abril Pro Rock.
André Luiz – ‘Espresso
Della Vita: Solare’ foi gravado no Rush Studios e Blue Note Studios – ambos no
interior de São Paulo – com produção assinada pelo renomado Adair Daufembach
(Project46, Jhon Wayne, Hangar, Tony MacAlpine, entre outros), o qual também
leva os créditos por todas guitarras do álbum. Como se deu a escolha do
produtor e a opção pela participação do mesmo no instrumental do ‘Solare’?
Fábio – Foi o Gustavo Carmo,
produtor do nosso primeiro disco “Unpuzzle!”, que nos indicou o Adair, e desde
a primeira reunião já rolou uma sinergia forte. Nós simplesmente respeitamos
esse sentimento que tivemos e aí quando ele descobriu que não tínhamos um
guitarrista ele se ofereceu para gravar imediatamente. Foi uma grande honra ter
as duas versões dele no disco, o produtor e o guitarrista. Ele é um ser humano
incrível e um profissional ímpar.
André Luiz – Conceitualmente, o ‘Solare’ faz referência à “Divina Comédia” de Dante com as quatro primeiras músicas arremetendo sobre o paraíso, as quatro seguintes ao purgatório e por fim, as remanescentes sobre o inferno – na audição do álbum à imprensa, foi divulgado também que no ‘Lunare’ esta sequência será apresentada ao inverso. Da mesma forma, a banda informa que as faixas do ‘Solare’ representam as doze primeiras horas do dia e, no ‘Lunare’, será a mesma quantidade de músicas, porém arremetendo a noite. Explique-nos, por favor, esta complexa e ousada mescla de conceitos envolto ao ‘Espresso Della Vita’, e como este “mix” pode ser resumido na arte da artista plástica Juh Leidl.
Fábio – Exatamente, essas referências a outras obras e expressões artísticas é algo que faz parte da essência do Maestrick. Sempre será nossa forma de compor conceitos e histórias para as músicas. Então, como o projeto “Espresso Della Vita” representa a vida do personagem principal como uma viagem de trem de um dia, nós usamos essa citação a “Divina Comédia” de forma que representasse os “altos e baixos”, da viagem. Se analisarmos bem, mesmo durante o dia com toda a luz, existem momentos “Inferno”, e mesmo na noite com toda a escuridão, existem momentos “Paraíso”. Aí no meio, há a nossa busca pela redenção, que representa o “Purgatório”. No fundo, é como se todos nós, na nossa jornada da vida, fôssemos “Dantes”, com nossas experiências resumidas a esses três movimentos intercalados. E a Juh, com toda a sensibilidade dela, contou em forma de imagens, toda a intenção lírica e musical que tivemos. As artes dela são tão ricas e cheia de detalhes, que mesmo eu me surpreendo e abro um sorriso toda vez que abro o encarte para ver.
André Luiz – “Hijos De La Tierra” trata-se
de um verdadeiro ode de amor e respeito entre os povos da América: faixa
cantada em inglês e espanhol com participação especial de sete músicos do
continente, possui espetacular dueto de Fabio Caldeira e Cinthia Santibañes do
Crisalida, traz uma mescla de idiomas/timbres/influências combinadas com
maestria, culminando em um solo de guitarra emocionante e a narração
estrategicamente incluída de Eduardo Caldeira – avô de Fábio. Como os
princípios de respeito ao próximo e proximidade familiar observados nas
participações especiais de todo ‘Solare’ influenciam na composição das canções
do Maestrick? Especificamente sobre “Hijos De La Tierra”, como foram escolhidas
as participações especiais da faixa?
Fábio – O respeito, a compaixão, a
empatia, são valores que prezamos muito e isso se estende para tudo o que
fazemos, pessoal e artisticamente. Então influencia totalmente no nosso
processo de composição. Para as participações, mais do que músicos que executem
bem, buscamos pessoas que vão contar sua verdade de coração. Todos que
participaram nela, são pessoas que conhecemos em shows pela América do Sul e
que acreditam na mensagem da música. A Cinthia por exemplo, tem um trabalho muito
bonito, voltado ao resgate das tradições de povos nativos, como os Mapuche, que
hoje se concentram em uma pequena cidade, chamada Temuco, lá no Chile. Os
outros músicos são do Peru, Colômbia e um percussionista brasileiro.
André Luiz – “Trainsition” a princípio me chamou atenção pelo trocadilho o qual me parecia arremeter a transição para o próximo álbum, porém na audição de imprensa do ‘Solare’, o baterista Heitor Matos informalmente comentou que a faixa se referia a história de uma amiga dele a qual sofreu um acidente quase fatal, sendo dividida em três partes distintas conforme o desenvolvimento da faixa e desenrolar da história – pessoalmente, o comentário mudou minha visão sobre a música –, o final perfeito para o desfecho deste álbum. Comente por favor sobre a motivação de “Trainsition”.
Fábio – E para fechar, todos os três livros da Divina Comédia terminam com a palavra “estrelas”. Adivinha qual a última palavra da “Trainsition”? (risos)
André Luiz – Além dos comentários das
perguntas anteriores, podem-se notar várias nuances nas demais faixas do
‘Solare’: “Origami” possui uma intro arremetendo a chegada de um trem e traz
uma narrativa circense; “Rooster Race” inicia com moda de viola dando lugar a
riffs de guitarra e uma sequência melódica com adição de pitadas caipiras;
“Daily View” lembra The Beatles enquanto “Keep Trying” traz refrão e parte
instrumental que arremetem ao progressivo dos anos setenta mesclados a
sonoridade do Queen; se “Far West” traz na memória os temas de filmes de velho
oeste, “I a.m. Living” faz referência a uma mistura de prog com heavy melódico;
já “Across The River” carrega um tom intimista nas letras e interpretação do
Fabio Caldeira… Comente sobre a diversidade de influências musicais dos
integrantes e seu reflexo no álbum como um todo. Os músicos possuem carreiras
profissionais ou rotinas de estudo em paralelo à Maestrick?
Fábio – Acho que parte do que eu disse antes, sobre sabermos muito mais
hoje do que antes quem nós somos faz com que entendamos que somos simplesmente
pontos distintos, mas que convergem, cada um do seu jeito para um ponto em
comum, que é o Maestrick. E eu acho que é muito bonito entender que ter uma
banda é isso. Nós nos respeitamos muito, nos conhecemos muito, e entendemos o
lugar de cada um no processo. Nós todos trabalhamos com música, como
professores, produtores, músicos de estúdio, arranjadores. Eu costumo compor
para teatro musical, filmes, comerciais, trabalho como arranjador e regente de
coro. E sim, todos temos rotinas de estudo, musicais.
André Luiz – A exemplo do ‘Unpuzzle!’, ‘Espresso Della Vita: Solare’ possui uma faixa épica, “The Seed”, com mais de quinze minutos de duração. Repleta de corais, instrumentais complexos e mudanças de ritmo, a música cai no gosto dos apreciadores do progressivo setentista ao melhor estilo Yes e Jethro Tull, veia muito evidente da Maestrick se considerarmos o EP ‘The Trick Side Of Some Songs’ com versões de grandes nomes da música mundial. Como vocês buscam agregar ritmos e estilos diferentes a nuance progressiva tão presente na trajetória do Maestrick, não se prendendo apenas a um rótulo? Esta fusão complexa de elementos pode ser citada como principal característica da banda atualmente?
Fábio – Se nós sentirmos que é o melhor para a música, e isso compreende estar de acordo com o conceito, com a imagem que queremos passar, nós vamos fazer. Por mais que isso signifique recorrer a um estilo nada comum, ou um outro idioma, ou até usar elementos não musicais e torna-los musicais, como o berrante da “Rooster Race”, ou a buzina do trem na música “Origami”, por exemplo, que foi usada na sessão de metais da orquestração no meio dela. Se for natural, espontâneo, estaremos lá, não importa onde for.
André Luiz – A Maestrick, em especial Fábio
Caldeira participou de homenagens ao grande vocalista André Matos, recentemente
falecido – uma perda irreparável para o heavy metal nacional. O “mainstream” de
música pesada brasileiro tem se tornado cada vez mais restrito a poucos nomes,
em meio a um cenário de bandas autorais dividindo espaço com covers e tributos,
o Brasil na rota de turnês internacionais, questões envolvendo produtores e
casas de shows país afora, os CD’s perdendo terreno para música digital… Como
não apenas sobreviver, mas se destacar em meio a estas mudanças na cena musical
com o passar dos anos? Qual a visão da Maestrick sobre o papel tanto do público
quanto da imprensa especializada neste âmbito? Comente a respeito da
importância de um Angra ou Sepultura para o nascimento/evolução de novos nomes
no país.
Fábio – Eu acredito que nós
simplesmente procuramos ser nós mesmos e fazer as coisas da nossa forma. Temos
muitas influências sim, isso é inevitável e até necessário, mas quando você tem
opinião, sobre os sons, sobre temas, estilos, sobre a vida você acaba usando
sua voz e não a de outros. Acho que parte de se destacar tem a ver com entender
quem você é, como você se posiciona e, portanto, se expressa. Cada ser é um
universo distinto e com certeza tem algo particular a acrescentar. Nossa visão
é de que nós somos muito honrados e agradecidos por termos a oportunidade de
compartilhar nossa arte com pessoas que nos apoiam, respeitam e se interessam
pelo que fazemos. Também por termos a oportunidade de conversar com pessoas tão
atenciosas e com colocações tão interessantes como as suas. O público, o
artista e a imprensa, são complementares e coexistem. Nós não achamos que um
seja mais importante que o outro.
André Luiz –
Agradeço a entrevista, deixe seu recado para os leitores do Portal Metal
Revolution e fãs da banda.
Fábio – Nós é que agradecemos. Foi simplesmente uma das melhores
entrevistas que já fizemos. Eu desejo o melhor para você e para todos que
acompanham o Portal Metal Revolution e o Maestrick. Luz, paz e arte para todos!
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