Roger Waters – 12-11-2023 – São Paulo (Allianz Parque)

Texto por André Luiz – Fotos por Marcos Hermes (FleishmanHillard) – Edição por André Luiz

“This Is Not A Drill”, a farewell tour de Roger Waters, passou por várias cidades brasileiras, culminando na apresentação de domingo, 12, em São Paulo – a segunda na capital paulista. Em meio a um período com temperaturas alcançando recordes históricos de calor, dezenas de milhares de pessoas estiveram presentes no Allianz Parque para a última performance do músico inglês em solo brasileiro.

Como definiu o próprio Waters, “This Is Not A Drill” trata-se de “uma nova e inovadora extravagância cinematográfica/rock and roll, é uma acusação impressionante da distopia corporativa na qual todos nós lutamos para sobreviver e um apelo à ação para amar, proteger e compartilhar nosso precioso e precário lar planetário”. Originalmente programada para 2020, a turnê foi adiada devido a pandemia e teve início em julho de 2022 na cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, sendo os últimos shows realizados exatamente na América Latina. A produção da turnê no Brasil foi assinada pela Bonus Track e a 30E.

Aos 80 anos de idade completados em setembro, Waters brincou com a hipótese de uma farewell tour: “O show inclui uma dúzia de ótimas canções da Era de Ouro do Pink Floyd ao lado de várias novas, palavras e música, mesmo escritor, mesmo coração, mesma alma, mesmo homem. Pode ser seu último viva. Uau! Minha primeira turnê de despedida! Não percam”.

Os termômetros marcavam 32° C e mesmo assim, meia hora antes do previsto, dezenas de milhares de pessoas gritavam e faziam “olas” no Allianz Parque. A mensagem nos telões informando o início do show em 15 minutos elevou os gritos no estádio – a mesma se repetiu faltando 10 e 5 minutos –, mas o alvoroço iminente ocorreu às 20h20m com o apagar completo das luzes e a mensagem – que tanto causou polêmica dos desconhecedores de Waters e “caçadores de engaje” de plantão – exibida nos telões em português além de proferidas em inglês nos PA’s: “senhoras e senhores, por favor, ocupem seus lugares, o espetáculo está prestes a começar. Antes de começar, duas mensagens públicas: Primeiramente em consideração aos demais espectadores, por favor desliguem seus celulares; e em segundo lugar, se você é um daqueles que diz “eu amo o Pink Floyd mas não suporto a política do Roger”, vaza pro bar”.

Os estrondos de trovões que ecoavam no Allianz Parque se uniram as imagens de uma distópica cidade nos imensos telões, um boneco em cadeira de rodas simulando um paciente foi colocado à frente do palco enquanto Roger surgiu trajando jaleco, sentou-se em frente ao mesmo e começou a cantar o petardo “Comfortably Numb” – ‘The Wall’ de 1979 do Pink Floyd, revisitada no ano de 2022 em versão mais cadenciada por Roger Waters – com os telões exibindo o recente clipe animado. O frontman octogenário instigou os presentes a cantarem o refrão, depois pediu para os “auxiliares” retirarem o paciente e seguiu ao backstage enquanto a backing vocal Shanay Johnson deu um espetáculo particular nos microfones.

Em meio a intro “The Happiest Days Of Our Lives”, o ‘The Wall’ continuou sendo representado no palco com seu maior clássico: o som do helicóptero ao fundo, os dizeres iniciais de Roger e a execução das partes 2 e 3 do hino atemporal “Another Brick In The Wall” em meio a explosão de fogos de artifício, interação dos músicos no palco, telões, uma interpretação marcante de Waters e o êxtase completo no Allianz Parque.

Após a catarse geral, “The Powers That Be” (‘Radio K.A.O.S.’ de 1987) trouxe nos telões cenas e citações de crimes ao redor do mundo de cunho racial, religioso e sexual, citando inclusive o nome de Mariele Franco. O tom político permaneceu com uma intro sobre os tribunais de guerra da Guatemala, Nicaragua, Al Qaeda, os presidentes mais recentes dos EUA desde Ronald Reagan até Biden – este último com os dizeres “apenas começando” –, enquanto Roger ao piano iniciou “The Bravery Of Being Out Of Range” do “Amused To Death” (1992) destacando-se a interação do músico inglês com a dupla de backing vocals Shanay Johnson e Amanda Belair.

Roger aos microfones se levantou do piano, lamentou não saber falar português, comentou sobre a faixa seguinte dizendo que o estádio naquela noite de domingo seria nosso bar, anunciando a canção escrita por Waters durante o lockdown, “The Bar”, com o músico inglês no piano ao lado das backing vocals e no telão a frase em português “você poderia sair de nossa terra por favor”.

“Agora vou tocar o meu rock and roll, vamos voltar no tempo” discursou Waters, enquanto buscou sua guitarra e o telão mostrou um cronometro à ‘De volta para o futuro’ regressando de 2023 para 1974 e iniciando o petardo “Have A Cigar” do ‘Wish You Were Here’ de 1975 – detalhe para os telões ao fundo exibindo imagens antigas suas com os ex companheiros de Pink Floyd, exceto o desafeto David Gilmour.

“Certo vamos voltar ainda mais atrás, antes do Pink Floyd, quando Syd e eu ainda éramos crianças” exibiu em português os telões, iniciando os acordes no violão do hino atemporal faixa título do disco de 1975 do Pink Floyd, “Wish You Were Here” – para o mar de aparelhos celulares ser levantado no Allianz Parque, contrariando o pedido feito no início do show. “Fizemos um acordo na faculdade em Londres que começaríamos uma banda” exibiu o telão em meio a imagem de Syd e Waters enquanto a clássica canção era entoada por todo estádio, e assim continuou “sonhamos o sonho, e por um tempo vivemos isso. O resto é história. Depois disso as coisas ficaram um pouco complicadas”; após mais histórias sobre um reencontro dos dois, finalizou junto da música com a frase “quando você perde pessoas isso serve para lembra-lo que isso (a vida) não é um treinamento”.

Os telões permaneceram com histórias de Waters no idioma português, desta vez sobre o primeiro casamento do músico inglês na época do ‘Wish You Wee Here’, em meio ao instrumental de “Shine On You Crazy Diamond” (Parts VI-IX). Destaque para interpretação de Roger, enquanto o público bradava o nome da canção no refrão e um solo de saxofone refinado estendido de Seamus Blake ao final arrancando aplausos dos presentes.

“Sim, e então vieram os anos 70, e em 77 lançamos ‘Animals’ em homenagem ao George Orwell e o futuro distópico apresentado em seu livro de 1984 “A revolução dos bichos”, o “Admirável novo mundo” de Aldous Huxley e Dwight D. Eisenhower” citou o telão, finalizando com a imagem de uma ovelha inflável flutuando e Roger surgindo no palco com “Sheep” – ‘Animals’ de 1977. Durante o solo, uma ovelha inflável gigante sobrevoou o público presente na pista do Allianz Parque, enquanto os telões exibiam tweets politizados, Waters utilizou efeito robotizado em sua voz proferindo palavras de ordem e ao fim, no telão, ovelhas trajadas com quimonos escrito “resist” nas costas, fogos de artifício e os dizeres exibidos em letras vermelhas com fundo negro nos quatro telões: “resista ao capitalismo, resista ao fascismo, resista a guerra”.

Uma pequena pausa às 21h23m, enquanto ocorria distribuição de água pelos seguranças e os PA’s reproduziam sons de tiros, um porco inflável gigante de olhos vermelhos brilhantes sobrevoava a pista, estampado pelos tijolos do ‘The Wall’ com os dizeres “he’s mad don’t listem, you’re up against the wall right now”. O retorno dos músicos deu-se às 21h43m com fogos de artificio, Waters em um carrinho de rodas – o mesmo do início do show – amarrado como se fosse um louco no hospício, roadies trajados de médicos simularam aplicar uma injeção e o adormecido músico meio que “acordou” para cantar “In The Flesh”– ‘The Wall’ de 1979. O inglês voltaria a “adormecer” após nova injeção e os “médicos” o retirarem do palco para o solo derradeiro dos instrumentistas Jonathan Wilson e Dave Kilminster (guitarra), Jon Carin (teclado), Gus Seyffert (baixo), Robert Walter (teclado), Joey Waronker (bateria), Seamus Blake (saxofone) e a performance das citadas backing vocals Shanay Johnson e Amanda Belair.

“Olá paranoicos” bradou Roger trajado de branco com o nome da canção seguinte escrito em letras de sangue na camiseta – em outras turnês, o músico utilizava uniformes militares no dado momento, causando polêmica em 2023 quando em uma(s) apresentação(ões) utilizou símbolos nazistas nas vestimentas –, anunciando “Run Like Hell” (‘The Wall’ de 1979). Estando o público na base das palmas ao som do instrumental no melhor estilo discoteca setentista, Waters efusivo tirou a camisa branca jogando ao público e exibindo uma negra com a palavra “resist”. Nos telões, a história da ex-soldada Chelsea Manning e o editor australiano Julian Assange sobre o vídeo vazado de um ataque de drones em Bagdá no ano de 2007, Waters surgiu com seu violão para “Déjà Vu” (‘Is This The Life We Really Want?’ de 2017) incluindo um trecho de “Lay Down Jerusalem (If I Had Been God)” enquanto os telões exibiam imagens do resultado do citado ataque de drones – de destroços a pais com corpos de filhos enrolados em lençóis. O público gritou alto ao surgir nos telões a frase “stop the genocide”, em meio a mensagens sobre direitos iguais a palestinos, iemenitas, indígenas, direitos de reprodução, transgêneros, culminando em direitos humanos a todos.

A faixa título do disco solo de 2017, “Is This The Life We Really Want?”, trouxe no telão imagens de bens consumíveis, de roupas e celulares à coca cola, cartão de credito à aviões/helicópteros e tanques de guerra, finalizando com a parte final da canção em português para os quase 50 mil presentes no Allianz Parque entenderem sua forte mensagem.

Em meio a comemoração de 50 anos do clássico álbum do Pink Floyd, o músico inglês revisitou o trabalho lançando em 2023 “The Dark Side Of The Moon Redux”. A obra atemporal foi lembrada no set list apresentado na capital paulista, sendo executada na mesma sequência do disco os hinos: “Money” – moedas nos telões e seu barulho no PA’s indicavam o clássico comemorado pelos presentes, destacando-se o show das backing vocals, belo arranjo de saxofone e um holograma de um porco trajando terno dançando durante o solo de guitarra –, “Us And Them” – cenas de guerra e tragédias mundo afora no telão, arranjos de saxofone e Jonathan Wilson nos vocais assim como na canção anterior –, emendada em “Any Colour You Like” – show de luzes meio que fazendo um teto de cores projetados no palco até o alto do outro lado do estádio – “Brain Damage” e “Eclipse”.

“Obrigado” agradeceu Roger em português com uma garrafa de água e violão em mãos a frente do palco, em meio aos gritos de “ole ole ole Roger Roger” ecoando no Allianz Parque, emocionando o octogenário músico inglês. Waters retribuiu com aplausos, agradeceu repetidamente dizendo que era uma grande honra retornar a São Paulo e que a noite estava fantástica. Roger comentou que haviam mais algumas canções anunciando a faixa final do disco de 1983 ‘The Final Cut’, brincou com seu próprio discurso de intro um pouco extenso e iniciou no violão “Two Suns In The Sunset” com arranjos de saxofone por Seamus Blake e a dupla de backing vocals Shanay Johnson e Amanda Belair incrementando o tom sobrio empregado por Roger na interpretação da canção.

Shots de whisky sobre o piano, brindes, Roger brincou em meio ao “cheers” dizendo que “não era água” e se não íamos ao bar o bar viria até nós. Enquanto os músicos se refrescavam, Waters prolongou o discurso pedindo o fim do genocídio e comentou o quanto seria mais fácil acabar com as guerras se os governantes conversassem entre si. Ao fim, dedicou a música seguinte à Bob Dylan – de quem usou algumas referências na letra –, para sua esposa Kamilah Chavis e ao irmão mais velho John D. Waters que faleceu em 2022, executando ao piano de forma intimista “The Bar (Reprise)” acompanhado das backing vocals e celulares iluminando o estádio dando o tom da canção.

A parte final da apoteótica noite deu-se com “Outside The Wall”, faixa derradeira do ‘The Wall’, apresentação dos músicos, agradecimentos gerais e a banda liderada pelo icônico frontman do Pink Floyd dirigindo-se aos bastidores para de lá, com cenas dos mesmos no backstage projetada nos telões, encerrarem a canção – e a apresentação – às 22h58m. Independente de posicionamento político ou preferência musical, o espetáculo de Roger Waters nos tempos atuais trata-se de um show necessário. Muito além do teor político alardeado pelas mídias, o evento que o músico inglês trás aos espectadores é composto por nostalgia, a história do Pink Floyd na visão de um dos seus mentores, tom intimista, arranjos musicais de extremo bom gosto executados por uma banda de apoio que esbanja qualidade técnica e feeling, além de efeitos visuais à exaustão. Muito além do alardeado palanque político, “This Is Not A Drill” traduz o músico Roger Waters em essência pura no que pode ser sua primeira farewell tour (agradecimentos à 30E, Bonus Track e FleishmanHillard).

Set List Roger Waters:
Comfortably Numb (Pink Floyd)
The Happiest Days of Our Lives (Pink Floyd)
Another Brick In The Wall, Part 2 (Pink Floyd)
Another Brick In The Wall, Part 3 (Pink Floyd)
The Powers That Be
The Bravery Of Being Out Of Range
The Bar
Have A Cigar (Pink Floyd)
Wish You Were Here (Pink Floyd)
Shine On You Crazy Diamond (Parts VI-IX) (Pink Floyd)
Sheep (Pink Floyd)

In The Flesh (Pink Floyd)
Run Like Hell (Pink Floyd)
Déjà Vu / Lay Down Jerusalem (If I Had Been God)
Is This The Life We Really Want?
Money (Pink Floyd)
Us And Them (Pink Floyd)
Any Colour You Like (Pink Floyd)
Brain Damage (Pink Floyd)
Eclipse (Pink Floyd)
Two Suns In The Sunset (Pink Floyd)
The Bar (Reprise)
Outside The Wall (Pink Floyd)

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