Texto por André Luiz – Fotos por Evanil Jr – Edição por André Luiz
A turnê “Concerto For Group And Orchestra And The Music Of Deep Purple” chegou ao Brasil com vocais de Bruce Dickinson, Orquestra Sinfônica e músicos convidados. No país foram programadas quatro apresentações, com Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre seguindo após o espetáculo inicial na capital paulista.
No ano de 2023, o “Concerto” completa 54 anos desde sua estreia nos palcos, trazendo no set list os maiores sucessos de Lord com o Deep Purple, transformando-se em uma das mais aplaudidas turnês dos britânicos – a qual continuou a ser apresentada por ele ao lado das mais renomadas orquestras após sua saída da banda em 2002. Passados sete anos do falecimento de Lord (2019), o “Concerto” retornou aos palcos no Canadá, e depois em 2021, na Hungria. Em sua passagem pelo país, será apresentado por Bruce Dickinson (Iron Maiden) nos vocais, que volta ao país especialmente para o show e comanda uma banda formada por John O’Hara (Jethro Tull) nos teclados/órgão, Tanya O’Callaghan (Whitesnake) no baixo, Kaitner Z Doka (Jon Lord, Ian Paice) na guitarra e Bernhard Welz (Jon Lord, Don Airey) na bateria, além de uma orquestra sinfônica com mais de 80 instrumentistas montada especialmente para a ocasião – com integrantes da OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) e de algumas das principais sinfônicas do país –, conduzida por Paul Mann, que já participou de dezenas de apresentações do “Concerto” (incluindo a histórica performance de 1999 no Royal Albert Hall).
As imediações do Vibra SP estavam tomadas por fãs predominantemente mais velhos, diria que 90% acima dos 30 anos de idade, em virtude tanto da longevidade da música do Deep Purple quanto da presença marcante de Bruce Dickinson nos vocais desta empreitada – espetáculo anunciado como sold out na capital paulista. A dúvida pairava em torno do comportamento dos presentes em meio a uma performance com orquestra, configuração de assentos na casa de shows – todos sentados em um evento com Bruce comandando? – e o formato em si do “Concerto”.
“Concerto For Group And Orchestra” surgiu como um álbum ao vivo do Deep Purple com a participação da Royal Philharmonic Orchestra, dirigido por Malcolm Arnold e gravado no Royal Albert Hall de Londres, em setembro de 1969 – uma das obras precursoras mesclando rock com uma orquestra. Composto por Jon Lord (sendo algumas poucas letras escritas por Ian Gillan), trata-se do primeiro álbum de estúdio do Purple com Gillan no vocal e Roger Glover no baixo, lançado em 1969. Dividida em três movimentos, a partitura original do “Concerto” foi perdida em 1970 e recriada em 1999 por Lord com a ajuda de Paul Mann e Marco de Goeij, ouvindo a gravação e assistindo ao vídeo da performance original. Trinta anos após sua apresentação inicial, o “Concerto” foi novamente executado ao vivo no Royal Albert Hall, se tornando posteriormente em turnê a qual passou pela América do Sul com orquestras locais, depois Europa e Japão, todas conduzidas por Paul Mann.
Jon Lord juntou-se à RTE Concert Orchestra no National Concert Hall, em Dublin na Irlanda, no ano de 2009 na Irlanda para comemorar o 40º aniversário da primeira apresentação desta obra. Já em 2012, foi lançada uma versão de estúdio do “Concerto” junto a Royal Liverpool Philharmonic Orchestra conduzida por Paul Mann, com Jon Lord no orgão, Darin Vasilev, Joe Bonamassa, Steve Morse na guitarra, Steve Balsamo, Kasia Laska e Bruce Dickinson no vocal, Brett Morgan na bateria e Guy Pratt no baixo – o disco foi mixado no Abbey Road Studios em 2012 e de acordo com Paul Mann, Jon Lord ouviu a master final da gravação alguns dias antes de sua morte em 16 de julho de 2012.
Exatamente às 21h14m, os músicos da orquestra surgiram no palco do Vibra SP, posicionaram-se em seus respectivos lugares, até a entrada de Bruce e banda, para gritos na casa de shows. O frontman apresentou os músicos, Paul Mann e explicou como seria o “Concerto”, deixando o palco para o início do primeiro movimento “Moderato – Allegro” – após uma uma introdução orquestral prolongada, banda e orquestra literalmente “duelavam” entre si atuando em blocos separados e como se fossem antagonistas de uma história.
Aplausos do público, o segundo movimento “Andante” iniciou novamente orquestrado, porém um pouco mais lento que o inicial, e logo surgiu Bruce Dickinson no palco interagindo com os comandados de Paul Mann e a banda, ora individualmente ora em conjunto, destacando-se o ritmo cadenciado de John O’Hara no órgão eletrônico comandando o andamento do movimento – sendo muito aplaudido pelos presentes –, os trejeitos teatrais de Bruce no ritmo do instrumental – em dado momento pedindo palmas da plateia – e um final orquestrado mais tranquilo.
O terceiro movimento (“Vivace – Presto”) iniciou mais contundente que os anteriores, um solo de Bernard Welz na bateria iniciou as combinações entre banda e orquestra – em contraponto aos duelos do “Moderato – Allegro” – e ao fim do movimento, aplausos e o anuncio nps PA’s de uma pausa de 15 minutos.
Durante o intervalo, os telões do Vibra SP exibiram cenas da visita de Bruce à fábrica da cervejaria Bodebrown no Brasil e cenas de shows do Iron Maiden na última tour. Após a pausa, o posicionamento da orquestra, o retorno de Bruce, Paul e banda, o frontman da donzela de ferro ironizou a presença dos fotógrafos a frente questionando se haviam pago ingressos para estarem ali tão próximos. Público gritando alto e “Tears Of The Dragon” emocionou os presentes pela interpretação pessoal de Bruce e arranjos orquestrados fabulosos – na tour europeia, a canção era precedida por “Bourée” da carreira solo de Jon Lord (álbum ‘Sarabande’ de 1976), porém fora substituída no set em São Paulo por uma segunda faixa a qual seria revelada no encore mais à frente.
Gritos de “ole ole ole Bruce Bruce” ecoaram no Vibra SP, o vocal elogiou a banda, executaram uma intro orquestrada e seguiram com outra canção da carreira solo de Dickinson, “Jerusalem”, assim como na anterior, mesclando arranjos de banda e orquestra, elevando o patamar da canção à um dimensionamento muito alto – ao fim, todos de pé na casa de shows ovacionando o momento ímpar presenciado. “Estamos tendo uma má noite” brincou Bruce, antes de anunciar “Pictures Of Home”, com intro orquestrada e um show característico do frontman comandando o momento enquanto Paul Mann liderava os músicos clássicos e o revezamento de momentos protagonizados pela bateria, guitarra, baixo e órgão – enquanto Dickinson regia as palmas da plateia.
“Além da atmosfera da música de Jon, tenho que citar o blues presente em todo lugar” discursou Bruce antes da introdução característica e o aguardado petardo “When A Blind Man Cries” – embora tenha sido gravada para o ‘Machine Head’, a música não foi incluída no disco de 1971 e acabou sendo lançada como lado B do single “Never Before” além de posteriormente incluída como faixa bônus na edição de 25 anos do clássico álbum –, marcada por uma interpretação emocionante do frontman mesclada aos arranjos orquestrais para a canção do Purple. “Na na na na na na na” brincou Dickinson, antes de outro hino do Deep Purple arrancar aplausos gerais, “Hush” – a canção originalmente de Billy Joe Royal presente no debut dos britânicos ‘Shades Of Deep Purple’ de 1968 –, levar o público a cantar e aplaudir com veemência. Paul Mann fez a orquestra estremecer o Vibra SP na intro da faixa que nomeia o disco de 1984 do conjunto britânico, “Perfect Strangers”, cantada em uníssono pela casa de shows rivalizando em altura com a voz de Bruce – a qual parecia mais estridente com o passar da canção.
Segundos de pausa e o hino atemporal “Smoke On The Water” fez erguer o mar de celulares na casa de shows para o que deveria ser – conforme repertório da turnê europeia – a canção derradeira da noite, regada a muita energia de Bruce e público bradando alto a música em meio aos arranjos orquestrais substituindo o riff clássico e solo de guitarra estendido – detalhe para Bruce regendo a plateia utilizando uma batuta de Paul Mann. Quando todos esperavam o encerramento, Bruce brincou dizendo que “não havia nada mais a dizer do que Scream For Me Sao Paulo” seguindo o final apoteótico com o hino que carrega o nome do disco de 1974 do Purple – primeiro com David Coverdale e Glenn Hughes na formação –, simplesmente “Burn”, explodindo de vez o Vibra SP ao som da canção inesperada do set list, performada com Bruce “gastando a voz” estridententemente no alto de seus 64 anos de idade, finalizando o espetáculo após 2h10m de evento exatamente às 23h34m.
Muito além do que celebrar os 54 anos da performance original do “Concerto”, a noite de 15 de abril de 2023 em São Paulo coroou um legado atemporal de Jon Lord e do Deep Purple comandada por figuras importantes da música – o maestro Paul Mann com sua história ligada intimamente ao “Concerto” em si, John O’Hara desde 2007 comandando os teclados do Jethro Tull de Ian Anderson, Tanya O’Callaghan adicionada há cerca de dois anos ao line up do Whitesnake, e como não poderia deixar de ser, o frontman do Iron Maiden.
Algo nítido de se reparar era o prazer dos envolvidos no espetáculo, de integrantes da orquestra aos músicos, transmitiam a sensação de diversão sob o palco, muito diferente de seus respectivos nichos musicais nos quais há a cobrança para perfeição, alcançar o timbre e notas idênticas às versões originais de seus respectivos trabalhos mediante olhos atentos de cobrança tanto de público quanto de crítica. De fato, a “leveza” da turnê nos ombros dos músicos era sentida durante a semana, com a chegada dos mesmos dias antes do evento na capital paulista, sendo “clicados” em um restaurante vegano ao lado do vocalista do Sepultura Derrick Green, ou de Kaitner Z Doka e Bernhard Welz visitando o tumulo do ídolo Ayrton Senna.
Esta sensação pôde ser sentida também no público ao participar de algo tão diferente do habitual – embora em dados momentos alguns indivíduos teimassem em quebrar o silêncio respeitoso necessário para perfeita apreciação do espetáculo, sendo logo repreendidos pela ampla maioria dos presentes –, os olhos brilhando multiplicavam-se assento pós assento no Vibra SP. Jon Lord, de onde estivesse – acredite no que você quiser, caro leitor desta matéria –, abriu um largo sorriso de satisfação ao ver que mesmo após a morte carnal, sua obra continua a proporcionar tamanho sentimento tanto a quem executa quanto presencia o fruto de seu trabalho de décadas (agradecimentos à MCA Concerts e Midiorama).
Set List Bruce Dickinson:
Concerto for Group and Orchestra, First Movement: Moderato – Allegro
Concerto for Group and Orchestra, Second Movement: Andante
Concerto for Group and Orchestra, Third Movement: Vivace – Presto
Tears Of The Dragon
Jerusalem
Pictures Of Home
When A Blind Man Cries
Hush
Perfect Strangers
Smoke On The Water
Burn