Iron Maiden – 04-09-2022 – São Paulo (Estádio do Morumbi)

Texto por André Luiz – Fotos por Evanil Jr e Fabiano Albuquerque (Midiorama) – Edição por André Luiz

“We’ll be Back in Brazil… No matter how old we get, we’ll keep coming back until we FUCKING DROP DEAD in front of you!” – Dickinson, Bruce

Esta frase foi proferida por Bruce Dickinson em 2019 durante a última passagem do Iron Maiden por São Paulo. Por ironia do destino, houve o período de pandemia do covid-19 e três anos depois a banda retornou ao país ainda pela Legacy Of The Beast Tour, trazendo na bagagem o álbum de inéditas ‘Senjutsu’ e dois anos de energias guardadas para apresentar aos brasileiros tanto as faixas novas quanto clássicos de sua carreira quase que quinquagenária.

Antes que seja questionada a palavra “ironia” no trecho mais acima, sua utilização deve-se ao contexto atual da cena de música pesada – no qual o Maiden atua como protagonista há décadas –, especialmente a brasileira em que estamos inseridos: críticas aos últimos trabalhos e a execução mais cadenciada de clássicos da banda – tom abaixo ou Bruce não alcançando agudos do século passado (???) –, o pragmatismo da mente fechada em conflito com a turma da lacração digital… Em meio a tudo isso, o Iron Maiden mantém-se como uma verdadeira instituição mundial, ao longo de mais de 47 anos, incorporando um espírito de independência criativa alheio a críticos, de dedicação a seus fãs através de espetáculos ao vivo e acompanhando as inovações digitais, o que lhes rendeu uma legião de seguidores ao redor do mundo das mais variadas faixas de idades.

A nova passagem da donzela de ferro pelo Brasil iniciou por Curitiba e Ribeirão Preto, antes da parada para mais uma apresentação como headliner do Rock In Rio no dia de abertura do festival. Durante o período, integrantes da banda protagonizaram momentos como a presença de Bruce Dickinson em evento da empresa responsável pela produção da cerveja The Trooper no Brasil, a visita de Janick Gers ao estádio de São Januário no Rio de Janeiro recebendo título de sócio torcedor do Vasco da Gama, os passeios do próprio Gers pelas praias cariocas, o recebimento do disco de ouro – entregue por Leila Oliveira, diretora geral da Warner Music Brasil – pelas vendas de ‘Senjutsu’ no país. Até mesmo a presença de nomes como Post Malone e Mike Portnoy na área vip do Rock In Rio para assistir a performance da donzela de ferro no festival se tornou notícia na mídia brasileira.

No domingo, 04 de setembro, data escolhida para o show do Iron Maiden na capital paulista, o que se viu foram grandes aglomerações nos arredores do estádio, shows variados – de acústico a cover do Maiden – rivalizando com exibição de partida de futebol nos bares e estacionamentos do entorno, clima de celebração do público – típico dos headbanger em eventos deste porte. No início da tarde do próprio domingo, a Move Concerts Brasil (produtora do evento) anunciou através de suas mídias sociais que os ingressos para a apresentação do Iron Maiden em São Paulo haviam se esgotado – ou seja, a contar pelas divulgações recentes de espetáculos no local, 80 mil ingressos haviam sido vendidos para aquela grande noite. Mais da metade do estádio do Morumbi estava ocupada quando exatamente às 18h45m iniciou a apresentação da banda sueca Avatar, de forma teatral como o peculiar do grupo de Gotemburgo – o frontman Johannes por exemplo, trajava uma capa estilo sobretudo, chapéu e portava um bastão em mãos, mas nada que chamasse mais atenção do que sua maquiagem à “joker” fazendo caras e bocas à todo momento –, com a faixa título do álbum de 2014 “Hail The Apocalypse”, deixando clara qual seria a tônica da apresentação. “Sao Paulo, fireeeee” bradou o vocalista, iniciando “Let It Burn” e arrancando os primeiros aplausos dos presentes.

Embora não tão conhecida do grande público brasileiro, os suecos possuem mais de 20 anos de estrada. Nesta semana surgiu o relato em matérias de telejornais locais sobre um intercambio que o baixista Henrik Sandelin fez no Brasil aos 13 anos de idade, e através da amizade com a família que o recebeu durante a infância, o músico cultivou uma admiração pela Ponte Preta – clube de futebol –, tanto que a banda esteve no estádio Moisés Lucarelli em Campinas para acompanhar uma partida do clube pela série B do Campeonato Brasileiro de futebol – e foram pé quentes, a Ponte venceu o Bahia por 2 a 0.

O álbum mais recente do Avatar, ‘Hunter Gatherer’, foi lançado em 2020, e dele veio a faixa seguinte executada pelos suecos: “Sao Paulo, ariseeeee” bradou Johannes, enquanto ele e o trio de cordas pararam a frente da bateria encarando o público, até o início do instrumental de “Colossus” e o destacado refrão intercalando trecho melodioso com o brado do título da faixa. A apresentação seguiu com um pequeno discurso do vocal falando sobre a primeira tour no Brasil, pedido de horns ao alto e o anuncio de “Paint Me Red”, com as guitarras gêmeas no solo e melodia do refrão – em dado momento, haviam algumas pessoas na pista buscando o nome da referida música no aplicativo Shazam e perguntando umas às outras o nome da canção.

Johannes Eckerström (vocal), Jonas Jarlsby (guitarra), Simon Andersson (guitarra), Henrik Sandelin (baixo) e John Alfredsson (bateria) trouxeram ao palco montado do estádio do Morumbi uma apresentação diferente, com sonoridade peculiar (não se pode definir em apenas um estilo, houveram trechos de death melódico, industrial, new metal, e nem havia chegado ainda o momento circense rsss) e performance de palco em vários momentos inusitada, o que arrancou reações variadas dos presentes: muito embora a maioria do público estivesse surpresa e se divertindo com o show, havia uma boa porcentagem que não gostou nenhum pouco e nos intervalos tentava carregar coros de “Maiden Maiden”. O ápice desta divisão de opinião? A execução de “Bloody Angel” com várias mudanças de andamento arrancou aplausos do público, porém a faixa seguinte, “The Eagle Has Landed”, era bastante diferente, com mais variações de andamentos que a anterior, incluindo clima de circo, Johannes e seus trejeitos excêntricos arrancando risadas em dados momentos, instrumental estendido ao final…

“Estamos pela primeira vez aqui, abrindo para o Iron Maiden, temos que correr [apontando para o relógio]. Não imaginava que era tão frio, temos uma canção mais” discursou o frontman, anunciando a música derradeira da apresentação, “Smells Like A Freakshow”, do álbum de 2012 ‘Black Waltz’, finalizando o show às 19h27m com os músicos agradecendo o público e deixando o palco ao som de “The Belgian Circus Episode” (música de John Morris). Embora executem uma sonoridade diferente da atração principal da noite, em dados momento até inusitada, a presença do Avatar desencadeou reações que servem de exemplo ao discurso da introdução desta matéria – sobre o pragmatismo da mente fechada em conflito com a turma da lacração digital. Sob este ponto de vista, foi bom ver a reação da maioria dos presentes ao meu redor acompanhando uma banda que para eles era novidade, em dados momento buscando informações no meio do show. A boa estreia da banda em solo brasileiro indica a presença dos suecos para apresentações solo em um futuro próximo, com liberdade de produção – nem sequer os telões laterais puderam ser usados pela banda – e um público com conhecimento maior sobre o que esperar de uma apresentação do Avatar.

Set List Avatar:
Hail The Apocalypse
Let It Burn
Colossus
Paint Me Red
Bloody Angel
The Eagle Has Landed
Smells Like a Freakshow

O público acompanhava atento à movimentação das dezenas de roadies montando o palco para a donzela de ferro. Exatamente às 20h09m, os PA’s executaram a versão de “Doctor Doctor” do UFO para delírio dos presentes e ao fim, os músicos foram surgindo no palco um a um: Nicko McBrain (bateria), Steve Harris (baixo), o trio de guitarristas composto por Dave Murray, Adrian Smith e Janick Gers, ao fim Bruce Dickinson (vocal). Em meio aos brados do público, os britânicos executaram a faixa título de seu mais recente e premiado disco de estúdio, “Senjutsu”, dando as primeiras amostras da fervorosa – em meio ao frio de 12º com sensação térmica de 5º na rua – noite que nos aguardava. Em meio ao primeiro “scream for me Sao Paulo” de Bruce durante o solo, surgiu no palco o Eddie versão samurai e interagiu com os músicos no palco, levantando o público. A canção foi emendada com outra do novo álbum, “Stratego”, de recepção mais amena pelos presentes.

“Ei Sao Paulo, Morumbi? Bom estar aqui, vê-los novamente” discursou pela primeira vez Bruce, antes de fazer um trocadilho com a música seguinte – a gente vir aqui estava escrito no muro –, enquanto Adrian iniciou a intro de “The Writing On The Wall” no violão e os telões laterais ao palco – desta vez ligados, diferente do show do Avatar – exibiam o clipe animado da canção escolhida como primeiro single do ‘Senjutsu’. “Deixe me ouvi-los Morumbi, let start the legions” bradou o frontman enquanto todos cantavam alto o refrão intercalando com Bruce e na base das palmas. A apresentação parou por alguns momentos para uma troca de palco, os roadies retiraram os aparatos ligados ao ‘Senjutsu’ para trazer a arte clássica da Legacy Of The Beast Tour, e os músicos retornaram executando o clássico do ‘Piece Of Mind’ (1983), “Revelations”, com público bradando alto e participando ativamente.

“Ei Brasil, normalmente quando viemos no Brasil havia luz do por do sol, os momentos são engraçados, céu aberto, dia ensolarado, mas hoje não está assim, não podemos mudar isso, então dane-se o tempo” brincou Bruce, arrancando risadas dos presentes, prosseguindo o discurso dizendo que “as pessoas podem mudar, mas os fãs do Maiden em São Paulo não mudam, amamos vocês, somos família e nós somos todos irmãos de sangue”, anunciando a faixa do ‘Brave New World’ (2000), “Blood Brothers”, com participação fantástica do público e Bruce empolgado pela receptividade dos presentes à música – menção as luzes de celulares na arquibancada e o uníssono dos fãs “encobrindo” a voz do frontman durante o refrão.

O disco ‘The X Factor’ (1995) se fez presente com uma canção que se tornou momento clássico desde que Bruce Dickinson retomou o fronte da banda britânica, uma espécie de “Hallowed Be Thy Name” versão 2.0: “Sign Of The Cross” cativou da interpretação iniciou do frontman portando uma grande cruz, passando pelo instrumental fantástico, os takes da câmera no telão captando pedaços da bandeira do palco ao fundo (como que se ilustrando o trecho inicial da canção), labaredas de fogo ao fundo durante o refrão bradado alto pelos presentes, fogos no palco durante o solo e o gran finale com uma encenação em que Dickinson trajando longa capa carregou a cruz até o centro do palco – Bruce Dickinson 64 anos, Nicko McBrain 70, Steve Harris 66, Adrian Smith 65, Dave Murray 65, Janick Gers 65, esta é a idade do sexteto que havia acabado de dar uma aula de performance para 80 mil pessoas no estádio do Morumbi. Após o momento épico, um boneco gigante foi erguido ao fundo do palco em alusão ao personagem mitológico Ícaro, para execução de outro petardo do disco de 1983, “Flight Of Icarus”, com Bruce portando um aparato através do qual soltava rajadas de fogo em meio aos fortes ventos naquela noite de domingo, na zona sul de São Paulo. O público bradava alto a canção clássica e se empolgava com os agudos bem empregados do vocalista, um dos – dentre vários – grandes momentos da noite.

A introdução indicava que a clássica faixa-título do álbum de 1992 seria executada, e “Fear Of The Dark” levou ao palco um Bruce trajado à fantasma da ópera, luminária estilo lamparina na mão, encenando o trecho inicial da canção, estádio à base da luz de celulares, “oh oh oh” ecoando e a explosão do Morumbi no ritmo do instrumental com público bradando alto e entoando “oh oh oh ohhhh” a plenos pulmões – por mais que seja uma canção tocada exaustivamente em rádios ou em todas tours desde 1992, não se pode negar a força desta em uma apresentação ao vivo. Era chegado o momento da oração da donzela de ferro, o hino do ‘The Number Of The Beast’ (1982), “Hallowed Be Thy Name”, com Bruce primeiramente fazendo trejeitos trajando camisa branca atrás das grades, depois cantando enquanto segurava uma corda amarrada no estilo “enforcado” e a interpretação sensacional do frontman em meio ao instrumental fabuloso da clássica canção.

Após uma canção de 1982, porque não a faixa título daquele mesmo álbum? “The Number Of The Beast” avermelhou o palco incendiado não apenas pelas rajadas de fogo ao fundo, mas também pelo público bradando alto uma das músicas mais conhecidas da donzela de ferra. Encerrando a primeira parte do show, a faixa que carrega o nome da banda, carro chefe do homônimo de 1980, “Iron Maiden” trazendo Gers e seus malabarismos na guitarra, Bruce como maestro do público o qual cantava em uníssono a música, cabeça do Eddie gigante ao fundo do palco em meio a labaredas de fogo, e ao fim, os gritos de “ole ole Maiden” ecoando no Morumbi enquanto os integrantes deixavam o palco – não antes do jovem Nicko no auge dos seus 70 anos de idade jogar baquetas e interagir junto ao público.

Os músicos retornaram ao palco executando mais um hino do ‘Piece Of Mind’ (1983), “The Trooper”, trazendo Dickinson como mestre regente trajando a vestimenta da guarda inglesa e tremulando a bandeira britânica enquanto entoava o hino da donzela de ferro. Eddie “the tropper” surgiu no palco e duelou na espada com o esgrimista Bruce, culminando no frontman disparou uma rajada de fogos – com espécie de escopeta a qual carregava a bandeira do Brasil – no Eddie que deixou o palco e ao fim da música, um dedo do meio do mascote da banda foi exibido nos telões. O sexteto seguiu com mais uma faixa da era Blaze que na voz de Bruce se tornou hino da donzela de ferro, gravada originalmente no ‘Virtual XI’ (1998), simplesmente “The Clansman”: interpretação do vocalista portando uma espada ensanguentada com a bandeira do Eddie “the clansman” ao fundo, instrumental sensacional, público muito participativo cantando alto e respondendo prontamente as interações do frontman.

A bandeira temática da atual turnê surgiu ao fundo, e “Run To The Hills”, do ‘The Number Of The Beast’ (1982), encerrou a segunda parte da performance dos britânicos. Público bradou alto e Dickinson, demonstrando estar totalmente à vontade, literalmente deu show à parte na faixa do seu primeiro álbum como frontman da donzela de ferro – mesmo perdendo o tempo inicialmente da canção, retornou ao “time” como se nada tivesse acontecido e seguiu interagindo do palco. Bruce encenava a fuga de uma trilha minada enquanto fogos eram estourados por onde ele passava, e ao fim, o frontman explodiu a simulação de TNT – no melhor estilo desenho do papa-léguas e o coiote – causando uma grande explosão de fogos no palco, até que as luzes se apagaram e os músicos deixaram mais uma vez o palco.

O discurso intro “Churchill’s Speech” ecoou nos PA’s enquanto o vídeo era exibido nos telões e o público em ecstasy aguardava mais um petardo do ‘Powerslave’ (1984): “Aces High” trouxe o avião caça spitfire ao palco montado no estádio do Morumbi enquanto os músicos executavam o último petardo da apresentação da donzela de ferro em São Paulo, encerrando o espetáculo às 22h03m em meio a despedida do sexteto e a canção “Always Look On the Bright Side Of Life” de Monty Python sendo executada nos PA’s.

Encerramento de matérias sobre grandes shows geralmente caem na história do “mais do mesmo”, algo como grande noite, chave de ouro, fãs indo para casa satisfeitos, enfim… Acompanhamos a primeiro tour no Brasil do Iron Maiden após período de pandemia, em meio a tantos desafios e perdas, caberia uma reflexão nesta retomada aos grandes shows no país: o período confinado tornou o público refém do meio digital, com pontos de vista carregados de amargura para descarregar suas próprias frustrações? Após ótimos comentários sobre as apresentações em Curitiba e Ribeirão Preto, houve uma enxurrada de críticas sobre a performance do Iron Maiden no Rock In Rio – tidos fãs xiitas do meio digital –, e o que vimos em São Paulo? Um excelente espetáculo proporcionado por um sexteto composto por integrantes que variam entre 64 e 70 anos de idade, trouxeram uma experiência ao vivo diferenciada ao público e não farão “ctrl c + ctrl v” – em alusão aos escravos digitais – no palco para canções de 30-40 anos atrás devido a insatisfação de pessoas acostumadas a Spotify e Youtube. O Iron Maiden, em meio a quase cinco décadas de carreira, mantém-se como uma verdadeira instituição mundial, incorporando um espírito de independência criativa alheia a críticos, e desta forma, priorizando os seus fãs através da experiência ao vivo e acompanhando as inovações digitais, permanece conquistando milhões de seguidores mundo afora – esse é o significado prático da palavra tão popular nos tempos atuais, engaje (agradecimentos à Midiorama, Move Concerts e Estar Comunicação).

Set List Iron Maiden:
Senjutsu
Stratego
The Writing On The Wall
Revelations
Blood Brothers
Sign Of The Cross
Flight Of Icarus
Fear Of The Dark
Hallowed Be Thy Name
The Number Of The Beast
Iron Maiden

The Trooper
The Clansman
Run To The Hills Churchill’s Speech / Aces High

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