Texto por André Luiz – Fotos por Felipi Arius – Edição por André Luiz
Após etapas históricas nas cidades do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o Rock Brasil 40 Anos aportou em São Paulo com os maiores shows do festival itinerante, para 15 mil pessoas. Durante cinco semanas, o festival reúne no Memorial da América Latina artistas e bandas que marcaram a cena musical nos anos 80. O primeiro dia do evento em São Paulo calhou de ser agendado para 27 de março, justamente a data do que seria o aniversário de 62 anos de um dos maiores ícones da história do rock nacional, escolhido para ser o homenageado do dia: o eterno Renato Russo. O line up contou com quatro pesos pesados da música brasileira: Plebe Rude, Biquini Cavadão, Paralamas do Sucesso e Capital Inicial.
Na capital paulista, o Rock Brasil 40 Anos ocupa três espaços: além dos shows para 10 mil pessoas no palco montado na parte externa do Memorial da América Latina – em uma área de 6.400 metros quadrados com praça de alimentação, postos médicos e uma pop up store Osklen Music –, a programação se estende ao CCBB – com palestras, mostra de cinema e espetáculos musicais – e ao Edifício Banco do Brasil – Torre Matarazzo, na qual acontecem duas exposições com entrada franca.
A estrutura montada na área externa do Memorial da América Latina recebia algumas milhares de pessoas, as quais se descontraiam ao som da DJ carioca Nicole Nandes nos brindando com pérolas do rock nacional oitentista. Exatamente às 16h01m, Cadu Previero – locutor da 89 FM – saudou os presentes com “boas vindas”, agradeceu aos patrocinadores do festival e convocou a Plebe Rude. Ao som de uma intro nos PA’s, os músicos surgiram no palco executando “Nunca fomos tão brasileiros”, seguida pela clássica “Johnny vai à guerra”. “Boa tarde São Paulo” bradou Philippe Seabra, após uma gafe dizendo boa noite, a qual completou dizendo “não vem não que sou de Brasília e lá já é noite. Nós somos de…” anunciando a música seguinte, justamente “Brasília”, emendando com “Anos de luta” – Clemente na guitarra e Philippe nos vocais – e uma das mais celebradas do show da Plebe, “Luzes” – do Escola de Escândalos, banda da áurea época do rock brasiliense durante a qual também surgiram Aborto Elétrico e a própria Plebe Rude.
“Em nosso primeiro show em São Paulo conhecemos mister Clemente, esta entidade do punk rock” bradou Philippe, para gritos do público, antes da execução de “A Serra”. “André” Philippe Seabra (vocal, guitarra), Clemente Nascimento (vocal, guitarra), André “Mueller” X (baixo, vocal) e Marcelo Capucci (bateria) integram atualmente o line up da Plebe, cuja divulgação mais recente deu-se dois dias antes, um lyric video para “A Quieta Desolação”, do álbum ‘Evolução, Vol. II’, com a participação especial da cantora mirim Ana Carolina Floriano. O grupo de Brasília adota um tom crítico a política desde suas origens, na época da ditadura, e o mesmo não foi esquecido durante mais esta apresentação. Após uma brincadeira de Clemente sobre o fato de Philippe não poder ir à frente do palco devido problema no instrumento dele, o guitarrista brevemente discursou aos presentes: “é duro estar há 20-30 anos na estrada e ter que cantar as mesmas músicas que nunca envelhecem pela situação no país que não muda”, iniciando os acordes de “A mesma mensagem”. O fundador da Plebe, André X, brincou com uma pessoa na pista semelhante fisicamente ao baterista do Metallica, Philippe comentou sobre o Lollapalooza e que “ainda bem que estão aqui [público no Memorial] porque haviam coisas tão boas quanto [no line up]”, antes de apresentar na voz e violão “A ida” do álbum de 1987 ‘Nunca Fomos tão Brasileiros’.
“As letras não envelhecem, mesmo aos 40 anos de banda, e ontem o TSE fez essa palavra parecer mais relevante ainda” discursou mais uma vez Philippe antes da clássica “Censura” – também do citado disco de 1987 –, seguida por “Este ano”, “Sexo e karatê” com show de disposição de Clemente e “Medo” finalizada com um grito de “viva o Cólera” – em referência aos autores da música recém executada. A parte derradeira do show no cair da tarde em São Paulo foi composta pela bastante celebrada “Minha renda” emendada com uma versão de “Baba O’Riley” do The Who, o público cantando alto no medley de “Proteção” com “Pátria Amada”, e para encerrar, o discurso de que “o Brasil só não entrou em colapso nestes dois anos pelos caminhoneiros, enfermeiros, motoristas de táxi, cozinheiros, enfim, tem que valorizar a todos com salário digno” e a aguardada “Até quando esperar”, encerrando a energética performance às 17h17m.
Set List Plebe Rude:
Intro / Nunca fomos tão brasileiros
Johnny vai a guerra
Brasília
Anos de luta
Luzes (Escola de Escândalos cover)
A Serra
A mesma mensagem
A ida
Censura
Este ano
Sexo e karatê
Medo (Cólera cover)
Minha renda
Baba O’Riley (The Who cover)
Proteção / Pátria Amada / Proteção
Até quando esperar
Após mais um set da DJ Nicole Nandes, Cadu Previero retornou ao palco montado na área externa do Memorial da América Latina e anunciou exatamente às 18h o Biquini Cavadão. Havia preocupação entre os presentes, seja pelas notícias das chuvas no Autódromo de Interlagos durante o Lollapalooza, o início do show uma hora além do informado antecipadamente, o tempo literalmente fechando na região… Mas nada disso diminuiu a empolgação tanto do público quanto de Álvaro Birita (bateria), Carlos Coelho (guitarra, violão), Bruno Gouveia (vocal) e Miguel Flores da Cunha (teclado) – além dos músicos convidados Walmer Carvalho (saxofone, percussão, flauta) e o também produtor Marcelo Magal (baixo) –, os quais adentraram ao palco executando uma trinca sem interrupções formada por “Tédio”, “Impossível” e “Janaína” com o saxofone à frente do palco encarando chuva ao lado do frontman do Biquini.
“Boa noite São Paulo, não podia ser melhor voltar à normalidade do que por aqui” discursou Bruno Gouveia, antes de pedir que levantassem as mãos quem debutava em um show do Biquini e os que já viram a banda ao vivo anteriormente. “A música seguinte trata-se de uma regravação de 20 anos atrás” finalizou o vocalista antes de executarem “Quando Eu Te Encontrar”, faixa relançada dois dias antes nas plataformas de streaming a qual fez parte da trilha sonora da novela Malhação em 2002 – inclusive, a nova versão tem produção de Paul Ralphes e integrará um novo projeto da banda que será lançado nos próximos meses. O público vibrou e cantou junto na clássica “Múmias/Wrap” – música citada pelo vocalista como “uma honra” por ter Renato Russo participando de sua versão original – e, mesmo debaixo de um temporal, Bruno disse que àquele tratava-se do “momento ideal” e a frente do palco, apenas com microfone em mãos, emocionou os presentes cantando a capela e de forma emotiva “O bêbado e a equilibrista” da inesquecível Elis Regina.
O público estava nas mãos da banda carioca, e nada melhor do que manter a energia com uma sequência de hits digna das principais bandas do rock nacional: o uníssono durante um dos clássicos do disco ‘Descivilização’ de 1991 “Vento Ventania”, “No mundo da Lua” com Bruno convocando um dos presentes na área de convidados para cantar junto, o sucesso do Uns e Outros “Carta aos Missionários” que há décadas marca presença no set list do Biquini, outra regravação do disco ‘80’ de 2001 “Camila, Camila’ do Nenhum de Nós, a trilha sonora do dado momento em meio ao temporal “Chove Chuva” de Jorge Ben Jor e, mais uma faixa do clássico disco de 1986 ‘Cidades Torrentes’, “Timidez”.
O álbum mais recente do Biquini Cavadão, ‘Através dos Tempos’ (2021), marcou presença apenas nos PA’s ao término do show enquanto a banda se despedia do público, priorizando um set list com petardos da história da banda, e mesmo no momento instrumental em formato de medley durante o qual Carlos Coelho tomou as rédeas do show, o que se viram foram interações dos músicos junto ao público em citações que foram de AC/DC e Metallica à Rage Against The Machine, entre outros hinos do rock mundial. Bruno Gouveia retornou ao palco ao lado de Philippe Seabra da Plebe Rude, o qual junto aos cariocas executou a música derradeira do repertório, “Zé Ninguém”, cantada a plenos pulmões por todos, encerrando a performance apoteótica exatamente às 19h com a apresentação dos músicos e a frase proferida pelo frontman: “Esta noite todos nós somos o Biquini Cavadão”.
Set List Biquini Cavadão:
Tédio
Impossível
Janaína
Quando Eu Te Encontrar
Múmias/Wrap
O bêbado e a equilibrista (Elis Regina cover, a capela)
Vento Ventania
No mundo da Lua
Carta Aos Missionários (Uns e Outros cover)
Camila, Camila (Nenhum de Nós cover)
Chove Chuva (Jorge Ben Jor cover)
Timidez
Medley instrumental (covers internacionais)
Zé Ninguém
A chuva torrencial que marcou presença durante o show do Biquini deu lugar ao frio com momentos de leve garoa. Neste clima, Cadu Previero surgiu novamente no palco, para anunciar os Paralamas do Sucesso, às 19h30m. A performance começou com a clássica “Vital e sua moto”, prontamente emendada com “Ska”. “É muito bom estar aqui para alegrar um pouco mais vocês” discursou Herbert Viana antes de uma trinca que animou os presentes, formada pelo “Lourinha Bombril”, a versão de “Track track” do argentino Fito Páez e a canção tema da retomada do Paralamas aos palcos [após o episódio que quase vitimou o vocalista], “O calibre”.
A Tour Paralamas Clássicos tem levado milhares de fãs ao reencontro dos cariocas de Seropédica, formado pelo trio Herbert Viana (vocal, guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria), ao lado dos músicos de apoio João Fera (teclado), Bidu Cordeiro (trombone) e Monteiro Jr. (saxofone). Apresentando um repertório repleto de hits, o conjunto fluminense costuma guardar algumas surpresas na manga. E nessa toada, Herbert anunciou que “tocariam uma música que a maioria dos presentes, 99% dos presentes, não havia nascido [quando lançaram]”, executando “Selvagem” e incluindo trecho de “Polícia” dos Titãs antes de finalizar a canção. Como de praxe, os gritos de “fora Bolsonaro” ecoaram ao fim de “Mensagem de amor”, seguida por “Cuide bem do seu amor” e “Aonde quer que eu vá”.
Um dos pontos mais aguardados do show, o hino “Lanterna dos afogados” – do disco ‘Big Bang’ de 1989 – fez erguer-se o uníssono em meio ao mar de celulares registrando o momento. A versão de “Você” (Tim Maia cover) precedeu o ska rocker pulsante da faixa título do álbum de 1988 “O beco”, comemorada pelos presentes no Memorial da América Latina, enquanto a canção composta em parceria com Gilberto Gil “A novidade” foi seguida por mais um grande momento cantado a plenos pulmões pelos presentes, “Alagados” com trecho de “Sociedade alternativa” – e novos gritos do público contra o atual presidente da república.
Uma característica do show dos Paralamas foi o posicionamento dos músicos ao fundo, o que dependendo da localização na plateia forçava os presentes a assistirem o Herbert ou Bi apenas pelo telão, os músicos de apoio mais atrás ainda – grande contraste com o show anterior durante o qual os integrantes interagiam constantemente à beira do palco – e ao centro, João Barone massacrando sua bateria com estilo impecável. O momento derradeiro da apresentação se aproximava, sendo guardadas para o gran finale uma trinca das principais composições da banda fluminense cantadas em alto e bom som por todos: “Uma brasileira”, “Caleidoscópio” e culminando em “Meu erro” com os músicos finalmente indo à beira do palco para agradecer o público e encerrar o show – em meio a mais protestos políticos – às 20h35m.
Set List Paralamas do Sucesso:
Vital e sua moto
Ska
Lourinha bombril
Track track (Fito Páez cover)
O calibre
Selvagem / Polícia (Titãs cover) / Selvagem
Mensagem de amor
Cuide bem do seu amor
Aonde quer que eu vá
Lanterna dos afogados
Você (Tim Maia cover)
O beco
A novidade
Alagados / Sociedade alternativa (Raul Seixas Cover) / Alagados
Uma brasileira
Caleidoscópio
Meu erro
O ambiente estava condicionado para um excelente final de festival. Ao fim do último set da DJ Nicole Nandes e derradeira presença de Cadu Previero no palco, o locutor anunciou “a saideira” da noite às 21h05m com Capital Inicial surgindo ao som da versão da canção originalmente interpretada por Iggy Pop “O passageiro (The Passenger)”, emendada na energética “O mundo”. “Hoje tem vários amigos reunidos aqui, conheci o Bi e Herbert quando tinha 11-12 anos, estar com eles após tanto tempo é uma honra. Celebrar o rock brasileiro é uma coisa que definiu as nossas vidas e de muitos de vocês, é um prazer maior ainda [estar aqui], então vamos celebrar” discursou Dinho Ouro Preto antes de duas faixas mais recentes, “Depois da meia noite” do disco ‘Das Kapital’ de 2010 e “Vendetta” do álbum ‘Gigante!’ (2004).
Costumeiramente elétrico no palco, o vocalista perguntou se o público sabia o resultado do jogo – semifinal do campeonato paulista de futebol ocorrida enquanto ocorria os shows iniciais do festival –, pedindo que primeiro corintianos se manifestassem e depois torcedores do São Paulo, culminando em uma “dança da vitória” hilária no palco promovida pelo frontman são-paulino e; seguindo a descontração de Ouro Preto, a execução da empolgante “Todas as noites” e outra canção comemorada pelo público, “Tudo que vai”. O já citado frontman ao lado da inseparável cozinha formada por Fê e Flávio Lemos (bateria e baixo, respectivamente) e Yves Passarel (guitarra) foram acompanhados por Fabiano Carelli (guitarra) e Robledo Silva (teclado). O set list priorizou temas clássicos do Capital, em detrimento dos singles mais recentes “Pensando em Você” – em parceria com Mariana Volker – e “Incondicionalmente”, ou do disco de estúdio ‘Sonora’ de 2018.
“O Capital está fazendo 40 anos em 2022 e essa música foi a primeira que compomos” discursou Dinho antes de sua interpretação caricata em “Leve desespero”; já a versão do hit de Kiko Zambianchi “Primeiros erros (Chove)” contou com o público balançando as mãos para o alto durante o refrão impulsionados pelo vocalista que afirmou “eu tô confiante que isso vale mais do que muitas horas de terapia” durante o momento. Após “Não olhe pra trás”, Dinho mais uma vez discursou sobre o histórico do rock nacional: “minha geração tem grandes nomes e na nossa acho que o grande nome foi Renato Russo, desde que nos trombamos quando eu tinha 16 anos. Enfim, isso tudo para dizer que vamos tocar uma música da Legião Urbana para vocês”; desta forma, o Capital executou a celebrada “Tempo perdido”, seguida por um dos hinos do conjunto de Brasília, “Música urbana”, do debut album que leva o nome da banda, lançado em 1986.
“Essa é uma das músicas mais legais do rock brasileiro, Flavio compôs quando jovem, essa é para o Vladimir Putin” comentou Dinho antes de “Fátima”, logo emendada com outro tema muito celebrado pelo público, “Veraneio Vascaína”. Ao fim, Ouro Preto relembrou que “essa música foi censurada no regime militar e querem nos calar mais uma vez [em referência ao episódio ocorrido no dia anterior envolvendo artistas do line up do Lollapalooza], essa aqui é para eles” reproduzindo o clássico da Legião “Que país é esse?” e, logo a seguir, “Independência” – ambas em meio a seguidas manifestações ostensivas e xingamentos à Bolsonaro, com aprovação de Dinho que em dado momento dançou e regeu o público como maestro.
“Natasha” e “À sua Maneira” encerrariam a apresentação do Capital, houveram saudações dos músicos e o momento foto com público ao fundo – “vou contar 1 2 3 e vocês gritem qualquer baixaria, ok” pediu Dinho, prontamente atendido pelos presentes. Com o clima quente, o vocalista retornou alguns segundos depois ao palco questionando se “queriam saideira”, complementado com “então se o tema aqui hoje é Brasilia, bora de um banda que poderia muito bem estar por aqui hoje, Raimundos”, encerrando a performance com uma versão de “Mulher de fases” exatamente às 22h27m.
O festival itinerante Rock Brasil 40 Anos aportou em São Paulo após empolgantes edições no Rio de Janeiro e Belo Horizonte, demonstrando logo no primeiro dos cinco dias que deve marcar o retorno dos grandes eventos pós período pandêmico à capital paulista com nostalgia, estrutura de primeira e a empolgação do ávido público sedento por música de qualidade: viva o rock nacional (agradecimentos à Palavra Assessoria e Peck Produções).
Set List Capital Inicial:
O passageiro (The Passenger) (Iggy Pop cover)
O mundo
Depois da meia noite
Vendetta
Todas as noites
Tudo que vai
Leve desespero
Primeiros erros (Chove) (Kiko Zambianchi cover)
Não olhe pra trás
Tempo perdido (Legião Urbana cover)
Música urbana
Fátima
Veraneio Vascaína
Que país é esse? (Legião Urbana cover)
Independência
Natasha
À sua maneira
Mulher de fases (Raimundos cover)