Entrevista por Homero Pivotto Jr./Abstratti Produtora – Imagens por divulgação, Lars Johnson e Flavio Santiago – Edição por André Luiz
O tempo opera mudanças, seja na vida, na arte ou em qualquer esfera. E os finlandeses do Amorphis – que começaram em 1990 apostando no death metal e agregaram elementos do folk e do progressivo no decorrer da carreira – entendem o peso que o passar dos anos exerce, não à toa nominaram o disco mais recente como ‘Queen Of Time’ (Rainha do Tempo, 2018). O grupo retorna ao Brasil com a turnê desse álbum, mas sem esquecer-se de composições que marcaram época entre admiradores. Os shows ocorrerão em Recife (no festival Abril Pro Rock), em porto Alegre (pelo Inked Art Tattoo Fest), em São Paulo (Espaço 555) e em Limeira (Studio Mirage Eventos). Com uma discografia de 13 registros em estúdio e mudanças consideráveis na formação, o Amorphis soube aproveitar cada fase de sua trajetória. É por essa, entre outras razões, que continua relevante hoje em dia. Na entrevista a seguir, o tecladista Santeri Kallio (que acompanha o conjunto desde 1998) avalia o passado, faz reflexões sobre o presente e arrisca previsões para o futuro.
É curioso como
há uma grande quantidade de bandas de rock na Escandinávia, do clássico ao
black metal, passando pelo death metal, hardcore e outros estilos extremos.
Como você é da Finlândia, gostaria de perguntar especificamente sobre o seu
país: por que acha que há tantos grupos finlandeses interessantes fazendo boa
música?
Santeri Kallio – Bem, a
Escandinávia é um lugar muito escuro e depressivo, se você excluir uns dois ou
três meses de verão que começam a partir de junho. É por isso que a área é mais
categorizada como local de hard rock / metal em vez de dub, disco ou reggae. As
atmosferas de metal pesado se encaixam bem para nós. No inverno, praticamente,
não há sol. Também existe uma mentalidade clássica dos povos nórdicos. A
estética suave e ao mesmo tempo agressiva do metal pesado se encaixa muito bem
para quem vive na Escandinávia.
O Amorphis começou predominantemente death metal. Mas conforme o tempo foi passando, elementos de outros estilos ganharam espaço na musicalidade da banda. Por que isso aconteceu? Foi natural ou uma decisão proposital?
Santeri Kallio – Ambos. Precisávamos nos desenvolver como músicos e encontrar novas abordagens para o death metal. O envelhecimento também afetou a banda. O primeiro álbum foi feito quando os caras eram realmente muito jovens. Quando se está na casa dos vinte, seus ídolos musicais começam a mudar e você começa a explorar mais suas possibilidades como músico. Além disso, as alterações na formação foram uma grande razão pela qual a música do Amorphis mudou tão rapidamente. O vocalista foi alterado algumas vezes, além da troca de baterista.
E estas mudanças na formação, de que maneira impactaram
na identidade musical do Amorphis?
Santeri Kallio – As trocas de
integrantes sempre causam impacto. É apenas uma questão de qual perspectiva
você estará procurando. Mudança de baterista afeta no arranjo e no groove, a
mudança de vocalista também é grande, pois altera o tom do instrumento mais
importante: a voz. Também muda normalmente a imagem inteira das bandas. No
entanto, as mudanças na formação – se a banda não é uma ditadura – sempre têm
um grande efeito sobre as composições. Portanto, a opinião de cada pessoa conta
pelo menos um pouco. Por exemplo: o Amorphis é uma banda bastante democrática,
então a mudança de integrantes altera a direção musical. Qualquer um pode ouvir
a diferença de ‘Tales From The
Thousand Lakes’ (1994) e do ‘Elegy’
(1996) em questões de arranjo, quando o baterista e o tecladista mudaram. Ou
até mesmo a maior mudança com ‘Elegy’ e ‘Tuonela’
(1999), quando Pasi assumiu os
vocais. Meu exemplo pessoal favorito sobre como as mudanças se deram em nossa
música é a transição de ‘Far From The
Sun’ (2003) para ‘Eclipse’ (2006). Foi quando Tomi Joutsen (voz) entrou e começamos a fazer
heavy metal novamente em vez de testes psicodélicos de space rock.
Quão importante você acredita que é saber envelhecer, na música e na vida?
Santeri Kallio – Bem, em nossa profissão não há muito tempo para pensar ou planejar sobre como ficar mais velho. As principais mudanças na vida, como o nascimento do primeiro filho ou mortes dentro da família, sempre causam transformação e, normalmente, tornam você uma pessoa mais sábia. Pelo menos esses acontecimentos dão uma compreensão mais ampla sobre o que é a vida. Eu nunca planejei nada, exceto tentei ficar longe de problemas e também quis colocar o máximo de esforço nas bandas em que estive. Geralmente, ficar mais velho não é realmente divertido. Mas você precisa lidar com isso de alguma forma e tentar não se estressar.
Considerando que o Amorphis está na ativa há quase
três décadas, o que é melhor e o que é pior hoje em dia na indústria da música?
Santeri Kallio – Difícil dizer
no momento. A indústria está na encruzilhada. A digitalização mudou tudo em
termos de negócios e de produção. Hoje em dia, as bandas precisam se esforçar
muito mais em turnês e autopromoção. As gravadoras basicamente se foram,
exceto as “majors” que naturalmente mandam no mercado. E a dominação muitas
vezes é igual ao poder para decidir sobre tudo. Claro que, quando as bandas
ficam maiores, mais independência e suporte elas recebem. Pessoalmente, estou
feliz que o Amorphis já tenha se estabelecido antes dessa modificação na
indústria. Para novos artistas deve ser muito mais difícil viver de música.
Você tem que vender tudo o que pode para conseguir um contrato com a gravadora.
Talvez eu esteja errado nisso, espero mesmo estar.
Vocês têm 13 álbuns de estúdio. Se tivesse que
listar três lançamentos inovadores da carreira, quais seriam e por quê?
Santeri Kallio – ‘Tales From The Thousand Lakes’ (1994): verdadeiro clássico em todo o gênero que
representa. Muito bem montado, sem besteira incluída. Sofisticado, brutal e
primitivo ao mesmo tempo. A maioria das músicas é lendária.
‘Skyforger’ (2009): terceiro álbum desde que Tomi Joutsen apareceu. A direção musical que reinventamos com ‘Eclipse’ (2006) atinge o pico com esse lançamento. Não há músicas ruins nesse disco. Muito boa mistura de heavy metal, hard rock e elementos étnicos.
‘Queen Of Time’ (2018): décimo terceiro trabalho de estúdio em nossa carreira. Um disco forte de metal. Soa como nada mais. Música e produção são muito boas, e a banda está na melhor forma. É superpesado, cheio de beleza, e novo ao mesmo tempo. Talvez seja cedo demais para analisar isso, o tempo dirá, mas vou apostar que é atemporal.
O Amorphis recentemente anunciou que vai tocar ‘Queen Of Time’ na íntegra em shows selecionados na Finlândia. E para
apresentações fora de sua terra natal, como no nosso caso é o Brasil, qual
previsão de repertório?
Santeri Kallio – Só com as
melhores. Músicas do ‘Queen Of Time’ sem esquecer as raízes. Esperamos ainda
colocar pelo menos algumas composições dos primeiros anos da nossa carreira.
O show em Porto Alegre será em uma convenção de
tatuagem. Você consegue ver um paralelo ou fazer conexões entre a música do
Amorphis e a técnica milenar de desenhar na pele?
Santeri Kallio – Esa (guitarra)
e Tomi J. (voz) estão cheios de tatuagens desde os anos 1990. Há alguns anos
Koivusaari (guitarra) e Jan (baterista) aderiram a esse hobby também. Nos vejo
encaixando perfeitamente nesse tipo de evento. Ao longo dos anos, tenho visto
dezenas de grandes desenhos inspirados por nossa música na pele dos fãs. Também
alguns autógrafos tatuados (haha). Quem não gosta de tatuagens? Eu ainda estou
sem, mas nunca diga nunca!
Para terminar: vivemos tempos em que os seres
humanos parecem cada vez mais mecanizados. O quão importante é a arte como
elemento inspirador e que faz as pessoas pensarem não tão conscientemente?
Quero dizer, quando você ouve música, lê um livro ou olha para uma pintura,
pode deixar que sua mente simplesmente flua – algo cada vez mais incomum no
mundo de hoje.
Santeri Kallio – Eu sou
tão velho que vivi antes de os computadores domésticos dominarem. Então, é
muito fácil para eu falar sobre a importância de não olhar para o seu telefone
24 horas por dia, seja vendo notícias falsas ou conteúdo comercial. Vá ler um
livro clássico, quadrinhos, tocar música, ouvir música ou algo que seja
possível de socializar com seus amigos em vez de colocar todo o esforço nas
redes sociais. Mais fácil falar do que fazer. No futuro, provavelmente teremos
alguns fios na cabeça conectados à nuvem comercial. Então, as corporações vão
poder enviar a você algumas ideias estranhas, como qual cor de calça comprar,
por exemplo. Com certeza as mídias sociais são a nova plataforma para anunciar
sua arte, mas eu prefiro outras maneiras.