Texto por Rodrigo Gonçalves – o conteúdo expresso reflete a opinião do autor, é de inteira responsabilidade deste
Hoje, dia 19 de janeiro de 2016, marca o aniversário de 15 anos da apresentação histórica que o Iron Maiden fez diante de mais de 150 mil ensandecidos fãs no festival Rock in Rio 3. Alguns fatores além da disposição e empolgação da própria banda naquela noite contribuíram para que este se tornasse um dos shows mais memoráveis da carreira do Iron Maiden e também entrasse para a história do festival.
O primeiro capítulo da história da longa relação entre o Iron Maiden e os fãs sul americanos foi escrito na primeira edição do Rock in Rio, em 1985, quando a donzela já havia deixado de ser uma banda que fazia sucesso essencialmente na Europa e no Japão, para conquistar o mundo, realizando turnês cada vez maiores na América do Norte.
Uma das portas que esse sucesso estrondoso abriu foi a chance de tocar na América do Sul, em uma época que grandes bandas de rock não incluíam essa região em suas rotas de turnê. Mais do que isso, a banda decidiu se arriscar e acreditar no projeto de um festival ambicioso, porém novo e que ninguém sabia ao certo se seria bem-sucedido.
O tempo mostrou que a aposta foi mais do que acertada, com a banda fazendo uma das apresentações mais lembradas daquela edição de 1985, a qual contou ainda com shows do Queen, Rod Stewart, Ozzy Osbourne, Whitesnake, AC/DC e alguns outros nomes já estabelecidos há mais tempo do que o Iron Maiden.
Os anos foram se passando, a banda só retornou ao país em 1992 na turnê do álbum Fear of The Dark, quando desta vez se apresentou no Rio de Janeiro e pela primeira vez em São Paulo. Um ano antes, o Rock in Rio realizou sua segunda edição tendo o Gun ‘n’ Roses como grande destaque. No ano seguinte, Bruce Dickinson surpreendeu o mundo e anunciou sua saída do Iron Maiden, para seguir em frente com uma bem-sucedida carreira solo.
A mudança se mostrou boa apenas para o vocalista. Para a banda, os anos com Blaze Bayley embora tenham rendido o excelente The X Factor, ocasionaram queda de popularidade, assim como as vendas de álbuns. Ao vivo o grupo continuava atraindo uma boa quantidade de fãs, mas a qualidade dos shows caíra bastante com o novo vocalista.
Logo começaram a surgir os rumores, quase sempre prontamente desmentidos pelas partes. Até que em fevereiro de 1999 o sonho de milhares de fãs se tornou realidade. Bruce Dickinson estava de volta ao Iron Maiden. E não era só isso. Com ele retornava também o guitarrista Adrian Smith, que havia se juntado a Bruce em sua carreira solo e gravado os espetaculares “Accident of Birth” e “The Chemical Wedding”. A banda agora passaria a ser um sexteto e sairia em turnê no verão do hemisfério norte e da Europa para uma série de shows de aquecimento. Um novo álbum também estava sendo planejado.
Quando Brave New World foi lançado em maio de 2000, a banda logo embarcou em uma turnê mundial ao lado do Queensryche e do vocalista Rob Halford, que havia retornado ao metal e estava com uma banda solo, com a qual lançou o excelente Resurrection. Naturalmente os fãs brasileiros começaram a se encher de esperança em ver o Iron Maiden novamente no país, fato que ganhava apoio nos boatos de que a banda estava negociando shows no Brasil para outubro daquele ano.
Foi quando o Rock in Rio apareceu mais uma vez na vida do Iron Maiden. Os organizadores do festival decidiram retomar a sua realização e confirmaram a presença do Iron Maiden para ser a grande atração da noite dedicada ao heavy metal. Mas a alegria de fãs de outros estados durou pouco. Por contrato, a banda não poderia fazer shows no país fora do festival, fazendo com que os cerca de 250 mil ingressos – a organização posteriormente admitiu que a noite do heavy metal teve capacidade reduzida para cerca de 150 mil pessoas por medo do comportamento dos fãs de música pesada – se tornassem objeto de desejo para jovens e marmanjos de vários cantos do país.
Quando enfim chegou o grande dia, os fãs tiveram que enfrentar uma longa espera com shows que duraram boa parte do dia, além de serem castigados pelo calor infernal proporcionado pelo aprazível verão carioca.
No decorrer do dia os presentes puderam assistir apresentações de bandas como o então iniciante Queens of The Stone Age e do Sepultura, que estava lançando o álbum Nation e fazia um de seus primeiros shows grandes com a nova formação. Quando Rob Halford entrou no palco para se apresentar antes do Iron Maiden, a maioria só queria que o show passasse o mais rápido possível e poucos esperavam que pudesse ser uma apresentação memorável. O que os fãs viram nos 60 minutos seguintes foram uma verdadeira aula de heavy metal, mesclando clássicos do Judas Priest com temas das duas fases da carreira solo do cantor (Fight e Halford), mostrando porque o cantor é carinhosamente chamado pelos fãs de Metal God.
Passado o show de Rob Halford, me lembro de ter pensado comigo mesmo que o Iron Maiden teria trabalho para superar o que havia acabado de acontecer. Nada muito complicado para a banda que havia passado quase os dois anos anteriores na estrada e estava promovendo um excelente álbum e que ainda escolheu um setlist que parece ter sido meticulosamente pensado para levar o público brasileiro à loucura.
Quando o Iron Maiden subiu ao palco, todo o cansaço e exaustão de um público que se não havia viajado horas para estar lá, pelo menos já havia encarado horas e mais horas debaixo de um calor infernal para poder realizar o sonho de anos, mas tudo isso deixou de importar após os acordes iniciais de “The Wicker Man”. Por conta da ansiedade que o show causou nos fãs e a atmosfera naquela noite na Cidade do Rock, é seguro dizer que o Iron Maiden já entrou no palco com a partida decidida a seu favor.
O setlist, muito bem escolhido, por sinal, apresentava uma interessante mistura de sucessos que os fãs esperam ver em todos os shows com as músicas de Brave New World como “Dream of Mirrors”, “Ghost Of Navigators”, a faixa título “Brave New World” e a estupenda “Blood Of Brothers” – que Harris supostamente teria escrito em homenagem ao pai – o álbum passou pelo teste de fogo e suas canções ficaram excelentes quando apresentadas ao vivo.
Outro fato que provocou curiosidade foi como ficariam as músicas da fase Blaze na voz de Bruce Dickinson. E as versões de “Sign Of The Cross” e “The Clansman” ganharam proporções épicas na voz da sirene de ataque aéreo.
O resto do show foi permeado com versões arrebatadoras de clássicos como “The Trooper”, “2 Minutes To Midnight (com Adrian tocando o famoso riff inicial) e “The Evil That Men Do”. A parte final do show teve temas como “The Number Of The Beast” e reservou duas surpresas, o retorno de “Sanctuary”, que tinha fechado todos os shows da turnê até então e a inclusão de “Run To The Hills”, especialmente para o show no Rock in Rio.
Antes do festival a banda havia anunciado que o show seria gravado para ser lançado em CD duplo e também o primeiro DVD da carreira da banda. Problemas com a empresa contratada para fazer a edição do material fizeram com que as imagens de duas câmeras fossem perdidas, resultando em poucas imagens dos guitarristas Dave Murray e Adrian Smith. Além disso, os membros da banda ficaram insatisfeitos com o trabalho realizado pela empresa de edição e decidiram dispensá-la. Muitos fãs criticam o resultado final do DVD, mas fato é que sem a perseverança do baixista, talvez ele não tivesse chegado nem a ser lançado.
Acuado e com prazo para entregar o produto final para a gravadora que àquela altura já tinha anunciado data de lançamento e precisava começar a produzir os CDs e DVDs, Harris não teve outra alternativa a não ser assumir o projeto de editar o show sozinho, algo que ele não queria fazer após ter trabalhado em Maiden England (89) e Donnington (92). Por isso Steve Harris teve que aprender a mexer em equipamentos digitais de última geração e passou os próximos seis meses trabalhando noite e dia para que a edição do show tivesse de acordo com os padrões da banda, o que acabou resultando no adiamento do aguardado trabalho ao vivo.
Quando finalmente foi lançado, o CD duplo e DVD ao vivo no Rock in Rio entraram nas listas de mais vendidos em vários países. No Brasil, o CD duplo ganhou certificado de ouro por ter vendido mais de 50 mil cópias.
Um debut no país, um show memorável, uma apresentação após o retorno do principal vocalista, o primeiro DVD da carreira, definitivamente Iron Maiden e Rock In Rio sempre renderão histórias.
Setlist
The Wicker Man
Ghost Of The Navigator
Brave New World
Wrathchild
2 Minutes To Midnight
Blood Brothers
Sign Of The Cross
The Mercenary
The Trooper
Dream Of Mirrors
The Clansman
The Evil That Men Do
Fear Of The Dark
Iron Maiden
The Number Of The Beast
Hallowed Be Thy Name
Sanctuary
Run To The Hills