Texto por Arony Martins – o conteúdo expresso reflete a opinião do autor, é de inteira responsabilidade deste
Chegando ao trigésimo aniversário de uma das mais ousadas iniciativas da história da música mundial, o festival Live Aid reuniu em um único dia os mais reconhecidos e renomados artistas, movimentando não somente as duas cidades que sediaram o evento: Londres e Filadélfia. Curiosamente algumas poucas apresentações aconteceram em palcos montados na Austrália e no Japão. Todavia não obtiveram a mesma atenção que as duas primeiras, mesmo tendo a já famosa INXS se apresentando na cidade de Sidney.
O Live Aid foi concebido pelos músicos britânicos Bob Geldof e Midge Ure que tinham como principal objetivo arrecadar fundos para a África, que àquela altura sofria gravemente com a intensa pobreza e a fome. A proposta era nobre o suficiente para que o evento saísse do papel com toda a certeza. Entretanto diante de tantos sonhos em jogo, um grande obstáculo poderia colocar tudo por água abaixo: convencer grandes nomes da música, os quais faziam gigantescas turnês no dado momento, a participar do concerto. Mas antes vamos ao que antecedeu tudo isso.
A história
Em 1984, Bob Geldof era vocalista da banda britânica The Boomtown Rats e a mesma não tinha ainda alcançado o sucesso desejado. Contudo, Bob era um talentoso letrista e tinha bom relacionamento com os músicos da cena britânica. Ao se unir a Midge Ure, compôs “Do They Know It’s Christmas?” e junto à grandes nomes criaram o projeto chamado Band-Aid. A ideia era arrecadar fundos em prol de causas humanitárias na Etiópia. Participaram do projeto músicos como Sting, Phill Collins, Boy George, Paul McCartney, Bono Vox, dentre outros. Interessante que o projeto quase não saiu do papel devido ao fato de Geldof ter o receio de que a opinião pública britânica acreditasse que estivessem somente explorando tal situação em benefício de seu sucesso. Mesmo assim, Bob levou a frente sua ideia obtendo um êxito tão grande que uma nova ideia surgiu, mas de uma maneira bastante peculiar.
Em entrevista concedida ao site Mojo, Geldof revelou que mesmo contra sua vontade se viu obrigado a visitar o continente africano, e assim percebeu que seu trabalho somente estava começando:
– Então eu fui à África. Eu não queria ir, mas a imprensa disse, muito friamente, que se eu não fosse, não haveria história. Eu era a história. Então eu fui para a África, vi a situação e percebi o quão terrível era.
E um telefonema mudou os prováveis planos que Geldof tinha para 1985:
– Harry Belafonte (músico, cantor, ator, ativista político e pacifista norte-americano de ascendência jamaicana) me ligou e perguntou, “por que os ingleses estão fazendo isto? Por que nós não estamos fazendo isto?”, então disse para ligar para Quincy Jones. Eles fizeram o USA For Africa. Juntar os dois pareceu fazer sentido. Fazer um show, porque é isto que os músicos fazem.
E assim com uma ótima ideia em suas mãos a dupla Geldof e Ure foi em busca daquilo que era necessário para que a mesma se tornasse realidade. Convocaram o inglês Harvey Goldsmith, conhecido por ter produzido eventos com bandas tais como Queen, Rolling Stones, The Who, dentre outras. Com o evento sob supervisão de Harvey e com o aceite dos artistas, que diante do sucesso dos projetos anteriores, acreditariam na proposta mesmo que fosse ainda maior, o Live Aid estava prestes a nascer. Mas um conselho foi dado a Geldof, e era de alguém que tinha grande credibilidade, George Harrison, que havia tido problemas com um projeto muito similar ao seu em projeção. Na mesma entrevista Bob ainda disse:
– George Harrison me ligou e disse “não cometa os mesmos erros do ‘Concert For Bangladesh’, os advogados nos foderam”. Aí eu disse, “Não há advogados”. Ele respondeu, “Uau!”, a ideia era sem gravações, sem filmagens, sem vídeos, apenas 15 minutos de seus hits, e então tchau.
O Evento
A ousadia foi tamanha que a ideia era que o evento fosse único, sem que houvesse qualquer gravação de cunho comercial. A intenção era que somente houvessem as transmissões televisivas e que as fitas masters fossem apagadas após o evento (transmitiram a rede norte-americana ABC e a MTV). Contudo não foi o que ocorreu, inclusive é possível assistir a um considerável número de vídeos que estão disponíveis em redes sociais como o Youtube. E assim o Live Aid se tornou um dos eventos com o maior alcance via satélite da história, conseguindo uma audiência de quase dois bilhões de pessoas em aproximadamente 160 nações. E a cada anuncio comandado por mestres de cerimônias como o ator Jack Nicholson e o produtor Bill Graham, os fãs de diversos pontos do planeta eram convocados à doarem recursos para a causa motivadora do festival.
In loco, mais de 100 mil pessoas assistiram aos diversos shows nos palcos montados para o evento. Só em Wembley 72 mil pessoas estiveram presentes. Foram 16 horas de uma incessante maratona musical. Bandas como Judas Priest, Queen, Black Sabbath, Simple Minds, Duran Duran, The Pretenders, The Beach Boys, The Who, Dire Straits, U2 e artistas como Elvis Costelo, Sting, Madonna, Joan Baez, B.B. King, Sade, Eric Clapton, Tina Turner, Mick Jagger fizeram história naquela tarde-noite do dia 13 de julho de 1985.
O concorde
Você deve estar se perguntando o porquê desse subtítulo. Realmente ele não faz muito sentido. Contudo para quem não sabe Concorde é o nome de um avião supersônico muito famoso na década de 1980. E ele foi o responsável de talvez a maior ousadia proposta pelo evento. O histórico baterista (e naquele momento mais do que aclamado cantor) Phill Collins foi convidado a promover algo sem precedentes até aquele momento (e acredito que nunca mais após aquele dia 13 de julho algo parecido ocorreu). A ideia era que Collins cantasse nos dois principais palcos do evento. Entretanto os dois referidos palcos encontravam-se separados pelo oceano atlântico e diante das limitações de tempo, somente um voo em um avião como o Concorde poderia permitir que isso ocorresse. E assim a música “Against all odds” foi tocada por Phill Collins tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra.
As reuniões
Reunir em um mesmo palco, em um mesmo dia os grandes nomes que o Live Aid reuniu já teria tornado o mesmo algo único. Todavia ele foi além e promoveu duas reuniões que deram ao festival o status de histórico. E eis que Black Sabbath e Led Zeppelin foram responsáveis por momentos marcantes, todavia controversos. Phill Collins em recente entrevista foi categórico em relação ao reencontro de Robert Plant e Jimmy Page: “Um desastre”. Collins dividiu com Tony Thompson o lugar que um dia havia sido de John Bonham e em recente entrevista para a revista britânica Q, disse:
– Eu achei que seria algo simples, que a gente iria se reunir e tocar alguma coisa. Mas algo aconteceu entre a primeira conversa e aquele dia – quando tudo se transformou em uma reunião do Led Zeppelin. Eu apareci lá e me senti como uma peça quadrada em um buraco redondo. Robert Plant estava feliz em me ver, mas Jimmy Page não.
Observando o vídeo do show, é possível perceber que claramente Jimmy Page não parecia estar muito contente com a apresentação. Mas segundo reportagem da revista Rolling Stone, os equipamentos no palco não funcionavam tão bem. Os retornos não permitiam que os músicos se ouvissem. Jimmy Page confirmou anos mais tarde: “As minhas principais memórias, realmente, foram de pânico total”. A grandiosidade do evento não tinha dado conta da grandiosidade daquela reunião. Aliado ao fato de dois bateristas tocarem com uma banda sem ensaio, conforme dito pelos próprios músicos, a coisa não poderia ter dado muito certo. Mesmo assim foi possível ver a primeira de algumas reuniões de uma clássica banda que havia se dissolvido poucos anos antes.
Anos antes Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Buttler e Bill Ward, a formação clássica dos precursores do heavy metal haviam se dissolvido enquanto banda. Muitos problemas de relacionamento e o abuso no uso de drogas fizeram com que fosse impossível a continuidade de algo que funcionava muito bem tanto em estúdio quanto nos palcos mundo a fora. Após a frustrada aposta em Ian Gillan, ninguém sabia dizer se o Black Sabbath ainda existia de fato, apesar de que nenhum anúncio no que diz respeito ao fim da banda havia sido feito pelos membros. Mas o que realmente ficava claro é que o grupo não tinha sobrevivido a tantos percalsos e às muito bem sucedidas carreiras solos de Ozzy e Ronnie James Dio, que havia deixado a banda no inicio dos anos 80. E para surpresa de todos, Bob Geldof consegue convencer os quatro membros pioneiros a se apresentarem. Provável que a causa tenha sido o grande motivador para que o line up original do Sabbath aceitasse a empreitada. Entretanto o que se viu foi uma apresentação aquém da grandeza do grupo. O desconforto ao longo da apresentação foi visível. Em entrevista para a Rolling Stone, Iommi confessa que não estava em um dia bom:
– Eram mais ou menos dez da manhã, eu estava com uma ressaca terrível, então eu coloquei meus óculos escuros, e tocamos “Iron Man”, “Children Of The Grave”, e “Paranoid” sob luz solar intensa. Foi uma grande coisa a fazer e nós certamente estávamos cientes da importância da ocasião, mas tudo tinha que ocorrer rapidamente.
Bill Ward anos mais tarde em entrevista para a revista alemã Dynamite, confirmou que a reunião não foi das mais bem sucedidas:
– Ainda existia muita mágoa entre a gente, principalmente entre Ozzy e Tony. Nos reunimos por poucas horas e foi um encontro muito frio, não ia sair nada dali.
https://www.youtube.com/watch?v=oWg8aXamY2Q
O dia mundial do Rock
Reza a lenda que diante da importância do Live Aid, Phill Collins sugeriu que o dia 13 de julho fosse escolhida a data de comemoração do dia mundial do rock. Todavia até o fechamento dessa matéria não foram encontrados registros sobre esse desejo do músico britânico. O que se sabe é que o Brasil é um dos poucos senão o único a comemorar o dia mundial do rock. Iniciativa de rádios como a paulista 89 FM, especializada no gênero. O importante é que nesse dia tão importante para os fãs do rock ‘n roll fazemos anualmente referências a todos os nomes tão influentes mundialmente.
A politização de um grande evento
Mesmo com toda questão político-humanitária envolvida na proposta do evento, é claro que reunir grandes nomes da música mundial em um evento sem precedentes tornaria aquele dia um marco tanto para a cultura pop quanto para a política mundial. Em entrevista, Bob Geldof reconheceu que o evento teve um caráter além do seu principal objetivo:
– O lance sobre o Live Aid era, claro, o dinheiro, os 30 milhões de libras arrecadados. Mas ele se tornou algo muito além disto. Eu não tinha previsto completamente o número de telespectadores, que se tornou um lobby político. Thatcher concordou colocar a pobreza na agenda do G7, aceitando o argumento de que a pobreza é uma influência desestabilizadora da economia global. Em 13 de julho de 1985, eu entendi que isso era um lobby político.
O pós Live Aid
Após o festival, Bob Geldof abandona sua banda mas não seu trabalho como músico. Encara uma tímida carreira solo mesmo tendo tocado com David Gilmour. Todavia passa a ser internacionalmente reconhecido como um ativista de causas humanitárias. Em reconhecimento do seu trabalho, recebeu muitos prêmios incluindo o título honorário de cavaleiro atribuído pela rainha Elizabeth II, não tendo o título de Sir (título exclusivo para britânicos), devido à sua condição de irlandês.
Em 2005 juntamente com Bono Vox do U2 idealiza um novo evento, o Live 8. O evento se constituiu em uma série de shows que tiveram lugar nos países integrantes do G8, coincidindo com o 20º aniversário do Live Aid. O evento teve por objetivo pressionar as lideranças mundiais que participavam da conferência do referido grupo dos países mais influentes economicamente do mundo. A ideia era pedir o perdão para a dívida externa das nações mais pobres do mundo e negociar regras de comércio mais justas que respeitassem os interesses das nações africanas. Mas essa é outra estória.
De fato, o “Live Aid” se tornou um dos mais influentes eventos de música do mundo em todos os tempos. Até hoje é lembrado por ter sido um projeto muito ambicioso e que não somente obteve sucesso, mas ajudou com toda a certeza com que causas humanitárias importantes tais como os problemas socioeconômicos do continente africano não deixassem as pautas da imprensa desde então. Lamentável que após trinta anos os problemas denunciados lá atrás continuem sendo objeto de preocupações significativas daqueles que se propuseram a debate-las. Bob Geldof continua arduamente seu trabalho e estaremos aqui sempre a postos para divulga-lo.
Parabéns pela reportagem e aos músicos maravilhosos que fizeram essa história!;!!!!;