Entrevista por Rodrigo Gonçalves e André Luiz – Imagens por divulgação – Edição por André Luiz
Considerado um dos melhores vocalistas do metal brasileiro, Vitor Rodrigues deixou em 2012 o Torture Squad após quase 20 anos junto a banda, e no mesmo ano reúne um time de peso para formar a line up do Voodoopriest: os guitarristas César Covero (Endrah, ex-Nervochaos) e Renato De Luccas (Exhortation), o baixista Bruno Pompeo (Aggression Tales, ex-CPM) e o baterista Edu Nicolini (ex-Nitrominds, ex-Musica Diablo). Lançado o EP homônimo, o novo conjunto lançaria em maio de 2014 seu primeiro full lenght, ‘Mandu’, álbum conceitual baseado na história do líder indígena Mandu Ladino, calcado em uma sonoridade mesclando thrash, death e heavy tradicional com uma sonoridade moderna.
Passado um ano deste lançamento, convidamos o próprio Vitor Rodrigues para um bate papo exclusivo abordando toda atmosfera entre sua saída do TS até o momento atual, esmiuçando o conceito e processo de gravação de ‘Mandu’, assim como comentando sobre o momento atual da cena heavy metal no país e planos do Voodoopriest a curto e médio prazo.
Rodrigo Gonçalves & André Luiz – Olá, Vitor, obrigado por atender a equipe Metal Revolution. Gostaria de começar perguntando sobre a história do Voodoopriest, como surgiu a ideia de montar uma nova banda após quase 20 anos de Torture Squad e como você reuniu os experientes músicos que estão contigo nesta nova empreitada.
Vitor Rodrigues – Eu que agradeço pela oportunidade em poder trocar uma ideia com vocês e com os leitores do Portal Metal Revolution também. A ideia de montar o Voodoopriest veio com a força dos headbangers. Quando foi anunciada minha saída do Torture Squad, choveram mensagens e mais mensagens na timeline do meu perfil e da minha página oficial do Facebook. Mensagens de força e positividade sempre me desejando sucesso e rápido retorno. Foram palavras que atingiram fundo na minha alma e que deram um novo propósito para a minha carreira, e pra minha vida também. Rapidamente comecei a fazer uma lista de possíveis candidatos, e cheguei até a conversar com alguns. Era algo realmente novo, mas tinha que seguir em frente. O primeiro que contatei foi o Covero e ele já tinha duas músicas muito bacanas. O segundo foi o Renato De Luccas que me mandou um som que seria a futura “Reborn”, e por intermédio dele cheguei ao Bruno Pompeo, baixista. O Edu Nicolini tinha saído recentemente do Musica Diablo e aceitou o meu convite finalizando o line-up do Voodoopriest. Hoje a formação está com mais de 3 anos e estamos aí na estrada divulgando o nosso mais recente álbum, ‘Mandu’.
Rodrigo – Falando exatamente sobre este trabalho citado, ‘Mandu’ é um álbum conceitual que aborda um tema diferente, algo incomum para bandas de heavy metal aqui do Brasil. Nos últimos anos algumas bandas brasileiras têm se manifestado politicamente, até por conta dos eventos recentes, mas é raro vermos algo tão eloquente e bem trabalhado como ‘Mandu’. Como surgiu a ideia de escrever um álbum conceitual? O que os levou a escrever sobre o líder indígena Mandu Ladino?
Vitor Rodrigues – O EP “Voodoopriest” já tinha três faixas abordando o tema indígena. Para o nosso primeiro full leght, fui por esse caminho pesquisando temas relacionados, e foi justamente nessa fase que me deparei com a história fantástica do guerreiro Mandu Ladino. Tudo começou ao ler uma resenha do escritor Pedro Laurentino Reis Pereira sobre o livro ‘Mandu Ladino’ do autor Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco. Através dessa maravilhosa resenha, pude saber que Mandu era um índio que sobreviveu ao massacre de sua tribo, e enviado para um aldeamento jesuíta. Lá, ele aprendeu a ler, escrever e falar alguns idiomas como o latim e o português. A partir daí, Mandu começa a compreender a tamanha crueldade que sua raça estava passando nas mãos dos invasores. Então começa a organizar várias tribos e consegue uni-las para lutarem contra os soldados da Coroa Portuguesa. Por sete anos, Mandu Ladino consegue parar o avanço das tropas, mas infelizmente devido à traição dos Ibiapavas, o índio guerreiro acaba sucumbido por um tiro de espingarda e caindo no rio. Quando finalizei a leitura senti que o tema era grandioso demais para uma música apenas, e decidi que seria um disco conceitual. Foi uma tarefa bem árdua porque não há muitos registros sobre ele, e tive que visitar muitas vezes algumas bibliotecas sempre procurando por mais informações. Fui catalogando até chegar o momento de fazer as letras. No final foi muito gratificante tê-lo feito, e posso afirmar que se não for o meu melhor trabalho, com certeza é um dos melhores que já fiz na minha carreira.
Rodrigo & André – Conte-nos um pouco sobre o processo de gravação do novo álbum. Vocês já foram para o estúdio com tudo pronto ou o fato de ser um álbum conceitual exigiu mais trabalho do que o habitual? Comente sobre a relação entre a arte da capa (criada pelo polonês Raf the Might – Metallica, Slayer, Kreator e outros) e o conceito do álbum.
Vitor Rodrigues – Ao mesmo tempo que iam saindo as letras, a parte instrumental também era criada. Apesar de que haviam algumas músicas praticamente prontas, mas a gente sempre dava uma lapidada, e isso contribuiu para que entrássemos focados no estúdio e com muita tranquilidade. Nos ensaios eu já determinava a posição de cada faixa no CD, e isso foi totalmente feito baseado no feeling, e de certa forma foi natural porque já sabia toda a história do Mandu. Em relação à capa, pesquisei vários artistas e Raf the Might captou a essência da coisa. Queria algo simples porém impactante, e falei todo o conceito pra ele. Enviei muito material e exemplos e o cara mandou bem demais. Ficou muito acima do que estávamos esperando. A caveira representa não só Mandu Ladino, mas os nossos antepassados, e o cocar verde e amarelo – as cores do Brasil – com uma pena vermelha representando o sangue indígena derramado nessa terra. Ficamos muito orgulhosos com o trabalho magistral do Raf the Might.
Rodrigo – Em termos de sonoridade, ‘Mandu’ apresenta uma mistura interessante de vários subgêneros do metal. Esta foi a intenção desde o início do processo de composição ou tratou-se de algo que surgiu naturalmente no decorrer dos trabalhos?
Vitor Rodrigues – Surgiu naturalmente, e isso é magnífico porque os componentes do Voodoopriest têm diversas influências musicais. Edu Nicolini (bateria) é mais conhecido no circuito hardcore, mas ele possui influências das bandas thrash dos anos 80 – Kreator, Sodom, Overkill, entre outras – além de ter influências de outros estilos musicais como o hardcore, o punk e o grindcore, e ele faz uma cozinha perfeita com o Bruno Pompeo, que utiliza muitos pedais de efeitos para o seu baixo e tem como influência de Carcass a Frank Zappa, de Emicida a Vitor da Trindade (músico percussionista brasileiro). Isso é muito salutar porque você tem um leque maior de ideias na hora de compor. Nas guitarras temos a união da velha escola com a nova, Covero tem influências de Malmsteen, Meshuggah, Death Metal old school e Renato De Luccas traz aquele estilo Jeff Loomis do Nevermore nas bases e Alex Skolnick do Testament na hora dos solos. Junte tudo isso e teremos a sonoridade do Voodoopriest.
André – Embora a faixa-título tenha sido escolhida como single, há mais destaques no álbum como as imponentes “Dominate And Kill” (a qual considerei junto a “The Shrine” da Semblant as melhores músicas nacionais lançadas em 2014) e “We Shall Rise”, o refrão marcante de “Warrior” e “Eye For An Eye”, além da letra precisa de “Religion In Flames”… Quais faixas você pessoalmente destacaria neste trabalho do Voodoopriest e durante a turnê, pela recepção do público, há músicas que já se tonaram indispensáveis em um set list da banda?
Vitor Rodrigues – Agradeço pela escolha André. Bom, é praticamente difícil destacar qual faixa porque são como filhos, não temos uma predileção por esse ou por aquele som. Todas têm uma personalidade e deixo a cargo dos leitores qual a melhor do disco (risos). Ainda não temos como precisar qual ou quais músicas serão indispensáveis no set list, mesmo porquê estamos divulgando nosso primeiro CD, e o público ainda está assimilando, porém garanto que “Juggernaut” do EP ‘Voodoopriest’ já se tornou indispensável nos shows da banda.
Rodrigo & André – O álbum foi produzido por Brendan Duffey e Adriano Daga no Norcal Studios em São Paulo e o resultado final é excelente. Antigamente muitas bandas gravavam seus álbuns no exterior, mas há alguns anos nota-se a preferência por estúdios brasileiros. Em sua opinião, houve um avanço no país em termos de qualidade de locais de gravação e profissionais aptos para ajudar os músicos a atingirem o resultado desejado? A escolha de Brendan Duffey e Adriano tornou-se uma opção natural após o EP homônimo da banda?
Vitor Rodrigues – Não percebi um avanço, mas esforços consideráveis por parte dos próprios produtores donos de estúdio. Há bandas com poder aquisitivo que conseguem fazer uma gravação lá fora com produtores renomados, e outras não. Isso nada mais é do que investimento. Agora, a escolha do Brendan Duffey e o Adriano Daga, especialmente pra mim, deveu-se ao ótimo resultado da parceria iniciada na época do álbum ‘Aequilibrium’ do Torture Squad. Surgiu dali uma grande amizade, e não poderia ser melhor porque Brendan e Adriano produziram de forma brilhante o álbum ‘Mandu’, potencializando nossos talentos e extraindo o melhor da gente para que esse disco tenha esse resultado que você mesmo citou… Excelente!
Rodrigo – O Voodoopriest liberou o debut album para audição gratuita no YouTube. Nos tempos atuais, com quedas vertiginosas nos números de vendas de discos, essa é uma atitude ao mesmo tempo corajosa e inevitável. O que os levou a tomar esta decisão?
Vitor Rodrigues – Estamos atravessando uma nova fase na música. Com todo esse lance de internet e downloads, temos que nos adaptar aos novos tempos e é por isso que temos que arriscar. Estamos sempre antenados no que acontece no mundo da música, procuramos sempre o melhor para a banda em matéria de divulgação do nosso trabalho, e, portanto colocamos primeiro o álbum ‘Mandu’ virtualmente pra ver a reação das pessoas, e bem depois soltamos o físico. Isso, de certa forma valeu à pena porque nos deu algumas informações importantes.
André – Recentemente você participou de um vídeo clipe da banda Hevilan ao lado de Warrel Dane (Sanctuary, Nevermore). Como ocorreu o convite para participação na faixa “Shades of War”?
Vitor Rodrigues – Na época que trabalhava na Galeria do Rock conheci o Biek Yohaitus, e nos tornamos grandes amigos desde então. Quando o Hevilan estava gravando seu álbum ‘The End o f Time’, o Biek me convidou pra fazer uma participação e aceitei, e na gravação ele me disse que eles estavam com um projeto de unir o Alex Pasqualle, vocalista da banda, o Warrel Dane e eu pra fazer um clipe da música “Shades of War”, e achei fantástico. E com a direção do talentoso Caio Cortornesi, o vídeo ficou sensacional como vocês puderam comprovar.
André – Verificando no histórico do Portal Metal Revolution, exceto coberturas de shows, fazem exatos 10 anos desde a última matéria exclusiva contigo para nosso veículo, à época relacionada a edição 2005 do BMU no qual você teceu comentários sobre cada uma das bandas do cast. Em dez anos, muitos grupos e casas de shows surgiram e/ou encerraram atividades, locais clássicos como Manifesto-Blackmore-Gillan’s Inn foram revigorados, uma nova leva de apreciadores de heavy metal surgiu, porém algo ainda tem sido alvo de reclamação: o espaço destinado às bandas autorais. Qual sua visão sobre o papel de produtores, mídia especializada, fãs e os próprios músicos na cena underground atual? Por exemplo, um festival do porte do Monsters of Rock apenas com uma atração 100% nacional no cast…
Vitor Rodrigues – A cena metal é apoiada em três pilares: público, promotores de shows e bandas, e orbitando temos a mídia especializada. Os promotores na medida do possível estão fazendo o papel deles colocando bandas nacionais abrindo para as estrangeiras. As bandas continuam produzindo seus trabalhos apesar de todo esse lance dos downloads, e o público comparece nos eventos na medida do possível. Mas é necessário mais. Muito mais. Creio que um dos fatores que atrasa o avanço do metal no país é a economia fraca e cambaleante, ou seja, a primeira coisa que o governo corta quando a crise aperta é a diversão diferente dos países europeus desenvolvidos, principalmente na Suécia onde o governo apoia o metal como forma de divulgar a cultura sueca pelo mundo. Outro fator é o cultural. Garanto que se o Monsters fosse com bandas do Brasil, aposto e ganho que não haveria nem metade das pessoas no evento, em outras palavras, nadamos por muitos anos contra a correnteza, e vamos continuar se o público não apoiar com força total a cena local. Para vocês terem uma ideia, no verão a Alemanha contabiliza mais de 1000 eventos dedicados ao metal, desde festivais a shows de bandas internacionais e do próprio país. O Wacken Open Air é um sucesso porque os donos conseguiram unir o útil ao agradável. Eles são fãs ardorosos do metal e usaram isso pra ganhar dinheiro e investir mais e mais nos eventos e na cena, diferentemente daqui do Brasil onde o jabá é o que domina as rádios e os programas de TV do povão, por isso que vemos o aumento do sertanejo, pagode e funk com suas letras insignificantes e melodias medíocres. Lembro-me da época do primeiro Rock in Rio, onde surgiram muitas publicações sobre o metal, programas de vídeo clipes na TV e o país começou a se tornar rota das bandas internacionais. Após esse boom nada mais veio logo em seguida com o mesmo impacto e sempre fico me indagando sobre tal fato. Bom, como já disse, estamos vivenciando uma nova realidade com as coisas sendo obtidas facilmente e isso de certa forma trouxe uma certa acomodação. Mas precisamos acordar e fortalecer metal aqui no Brasil. Quem ganha somos nós.
André – Na contramão das reclamações citadas na pergunta anterior, observamos uma Expomusic crescendo a cada ano muito focada em instrumentistas brasileiros, bandas nacionais cada vez mais frequentemente excursionando no exterior (na maioria das vezes com recursos próprios) e músicos brasileiros ingressando em line ups internacionais como Aquiles Priester no Primal Fear e mais recentemente, Kiko Loureiro no Megadeth. Qual a importância destes pontos no crescimento da cena heavy no país?
Vitor Rodrigues – Você pode perceber uma coisa em comum nesses exemplos citados. A saída está sendo o exterior, e hoje já é uma realidade mais palpável. A Expomusic é uma feira internacional e muitos investidores vêm para cá focados em vender seus produtos. As bandas nacionais migram para o exterior porque lá fora existe um mercado sempre aquecido e atuante, com músicos brasileiros começando a despontar no cenário ao ponto de bandas internacionais convocarem para suas fileiras. Além do Aquiles e do Kiko, temos o Rodrigo Vevino no Avenger UK, e mais recentemente o Marcelo Moreira no Circle To Circle. Vejo isso com bons olhos porque dá uma maior visibilidade de nossos músicos para o mundo e de certa forma é um ótimo incentivo.
Rodrigo – Quais são os planos do Voodoopriest para 2015-16? Extensão da tour, novo álbum de estúdio…
Vitor Rodrigues – Tocar, tocar e tocar. Estar na estrada divulgando o ‘Mandu’ e o Voodoopriest para firmar o nome da banda no cenário. Estamos planejando um novo vídeo clipe, mas ainda falta escolher a música ainda, e tentar uma tour internacional ano que vem. Ainda é muito cedo falar de novo álbum, mas temos ótimas ideias para o sucessor de ‘Mandu’, e podem ter certeza… Será mais um álbum muito bem voodoozado!
Rodrigo & André – Vitor, muito obrigado pela entrevista. O espaço é seu para deixar um recado aos fãs do Voodoopriest.
Vitor Rodrigues – Bom meus amigos, sem palavras. Quero agradecer imensamente a oportunidade de poder trocar uma ideia com vocês e com todos os leitores do Portal Metal Revolution. Quem quiser saber mais sobre o Voodoopriest é só acessar nossa página na internet www.facebook.com/voodoopriest.metal
Saúde e sucesso sempre para todos vocês. Um grande abraço e vamos… VOODOOZAR!!!