Texto por Clayton Franco – o conteúdo expresso reflete a opinião do autor, é de inteira responsabilidade deste
Fotos por divulgação
28 de janeiro de 1985. De fato, é uma data histórica, pois foi há exatos 30 anos que os 45 maiores cantores da música americana se reuniram em um estúdio para gravar a canção mais conhecida do século 20. “We are the World” foi composta por Michael Jackson e Lionel Richie com o intuito de arrecadar fundos para o combate à fome nos países africanos. O objetivo foi plenamente alcançado, pois o single da canção arrecadou incríveis 55 milhões de dólares. Isso há 30 anos (nem faço ideia de quanto seria essa soma hoje em dia). Mas o meu caro leitor deve estar pensando: “por qual motivo esse jornalista está falando desta canção? Esse aqui é um site de metal poxa!”. Bem meu caro leitor, sinto lhe informar, mas este não é um portal “Trool” metal da internet, que fala de rock pesado e fecha os olhos para o redor. Esta música é pop? Depende do que você considera popular, mas em si ela é uma ótima música. E este portal acima de tudo é para se falar de BOAS MÚSICAS do rock em geral. E para finalizar, uma canção que tem a participação de Bob Dylan e Bruce Springsteen não tem como não ser rock de primeira.
Não é da canção em si que eu quero falar, mas sim da abnegação dos artistas para que ela fosse possível, não da abnegação altruísta de abrir mão de cachê para gravar uma música visando arrecadação de fundos para uma causa humanitária, isto já estaria implícito ao aceitarem participar da mesma, mas me refiro a abrir mão de algo muito maior que o dinheiro. Falo de deixar o ego do lado e assumir a humildade. Isso é mais difícil do que deixar o dinheiro de lado? Bem, acredito que sim… Estamos falando de artistas que já tinham o bolso entupido de tanta grana, e com talentos musicais fantásticos que sempre funcionaram de forma separada. Juntar tudo isso em uma sala, ou seria algo grandioso, ou um grandioso desastre. Tudo dependeria do ego e da humildade dos mesmos.
Prevendo isso, o maestro Quincy Jones teve uma saída de mestre para fazer tudo funcionar. O disco foi gravado no dia 28 de janeiro, altas horas da noite. Michael Jackson foi o primeiro a chegar e já era lá pelas 10 da noite. Todos os outros 44 cantores chegaram juntos meia hora depois. Estavam vindo do American Music Awards, o maior evento de premiação do cenário musical americano. Pode ser comparado ao Oscar para o cinema estadunidense. Ao chegaram no estúdio da gravadora A&M, se depararam com um cartaz colado à porta pelo maestro Quincy. Em letras garrafais estava escrito “Por favor, deixem seus egos do lado de fora ao entrar”. Um tapa de luva de pelica em 45 exímios cantores alertando-os que se não fossem humildes aquilo não funcionaria. Dizem as lendas dos bastidores que para quebrar o clima de tensão e darem algumas risadas, Stevie Wonder falou para os presentes que se a gravação não fosse feita em um take só, ele e Ray Charles iriam ser os motoristas que levariam toda a trupe embora. Vale ressaltar, que ambos são cegos.
Essa humildade e esse deixar o ego de lado fazem muita falta a musica atual, e em especial no Rock e Metal. E temos inúmeros exemplos disso. O Big Four para mim é um dos maiores que posso citar. Colocar Metallica e Megadeth (ou MegaDave como costumo chamar) era impensável alguns anos atrás (e ainda continua sendo impensável rsrs). E se dissesse que no final ainda fariam uma jam juntos com todos os participantes do show, me chamariam de louco. Mas o ego foi colocado de lado e tivemos uma ótima tour que rendeu um belo registro. Diferente da indicação do Kiss ao Rock and Roll Hall of Fame. Poxa como seria legal se eles tivessem se entendido e todos músicos vivos que já tocaram na banda subissem ao palco. Tanto a formação original como a atual, além de todos os outros que já participaram desse monumento do rock. Mais do que um presente aos fãs, seria a oportunidade de deixar rusgas de lado e fazerem a história do rock acontecer ali, naquele momento. Mas o ego falou mais alto.
Será que essas brigas e troca de farpas pela imprensa seriam colocadas de lado ao baixarem um pouco a bola e ver que como um “casal”, um foi feito para o outro, traria o Udo de volta ao Accept? Ou quem sabe John Fogerty ao Creedence? Bem, trouxe o Ozzy ao Sabbath, não? Assim como o Bruce ao Maiden. Lógico que houve grana envolvida e muitas verdinhas circularam pelos bastidores. Mas nem todo dinheiro do mundo compraria os envolvidos se não deixassem o ego de lado e lembrassem da humildade do início de carreira e um ver o outro não apenas como companheiro de banda, mas sim, como amigos do início de suas trajetórias musicais. Acredito que isso funcionou muito bem com o Exciter. Em sua última tour pelo Brasil, pude presenciar os caras no hotel após o show e digo que os mesmos foram extremamente solícitos com os fãs que lá estavam. Não apenas dando autógrafos e fotos, mas sim conversando, contando casos e histórias que aconteceram nos bastidores, etc… Depois disso ainda ficaram os três músicos durante horas no bar do hotel a conversarem de forma animada entre si. Mais do que o ego de lado, a amizade entre eles foi restaurada.
É neste o ponto que quero chegar… Neste dia 28 de janeiro completam-se 30 anos de “We are the World” e o exemplo máximo de altruísmo musical ainda continua nos servindo de lição. A humildade que os artistas demonstraram ao entrar naquele estúdio deixando o ego de lado ainda fica para nos espelharmos. E seria ótimo que hoje em dia as grandes bandas (e as nem tão grandes, mas que se acham os reis da cocada preta) soubessem aproveitar. Com certeza muitos frutos renderiam disso. E os maiores beneficiados seriam os próprios fãs. Mas há aqueles que não conseguem enxergar além de si próprios, e nem mesmo o “We are the world” escapou ileso a isto. O cantor Prince, convidado à época para participar, negou fazer parte do projeto. Naqueles tempos, era grande sua rivalidade com o Michael Jackson (escritor da canção junto com Lionel Richie). Muito dessa rivalidade foi fomentada pela própria mídia (assim como o caso do Metallica versus Mustaine), que alegava que poderia haver apenas um Rei do Pop, e qual dos dois seria? Prince disse que não participou, pois não dividia o vocal com outros artistas (olha o ego falando ai gente), mas o que mais perdeu nessa recusa foi o próprio.
Que a lição de “We are the world” permaneça para nós como exemplo de humildade e filantropia a todos. Seja na forma musical, ou na forma mais humana possível que cada um possa imaginar.
Boa matéria. 😉
Muito bacana a abordagem deste texto!
Legal a iniciativa do autor em trazer essa data pra gente! Boa lembrança!