Death: leia uma das últimas entrevistas de Chuck Schuldiner

Essa matéria era para ter entrado no ar ontem, mas por motivos técnicos, está sendo postada apenas hoje.

Ontem, dia 13 de dezembro, marcou o décimo aniversário da morte de um dos músicos mais importantes da história do Heavy Metal. Estou falando de Chuck Schuldiner, líder e mentor intelectual do Death, banda percussora do estilo que viria a ser conhecido pelo seu nome.

Essa entrevista foi concedida em fevereiro de 2000, quando Chuck já havia passado por uma cirurgia para remover o tumor do cérebro e estava em casa se recuperando. Interessante notar o latente descontentamento com o estilo vocal que o consagrou e a empolgação com as possibilidades oferecidas pelo Control Denied. Também vale a pena ressaltar o otimismo e a maneira positiva como o músico encarava a própria doença e o fato de que ele estava trabalhando em material novo para o Death. Não passava pela sua cabeça outra possibilidade que não fosse a de cura. Infelizmente não foi isso o que aconteceu, mas fica a grande lição de vida de um sujeito que nunca desistiu e perseverou até o fim, mesmo diante de um prognóstico nada animador.

Entrevista concedida para a Revista Metal Edge/USA em Fevereiro de 2000

Paul: É ótimo estar falando com você após tudo o que você passou. Para aqueles que não sabem, o que foi que exatamente aconteceu?

Chuck: “Basicamente, em maio, eu fui diagnosticado com um tumor no cérebro. Há cerca de um mês e meio atrás, eu completei um período de seis semanas de radiação em Nova York. Acabei de retornar, pois fui fazer uma revisão (apenas um check up). Eles queriam repetir uma tomografia e coisas desse tipo. Aí, em dezembro, eu voltarei lá para me encontrar com os meus médicos e fazer mais raios-x. No momento é um grande jogo de espera. Esse lance da radiação demora cerca de um mês pra fazer efeito – eu achava que iria lá, fazer as sessões e isso seria tudo. Mas, não é bem o que acontece. Leva cerca de 1 mês após a aplicação para termos os resultados. Portando é uma questão de esperar e não saber exatamente o que está acontecendo. Os médicos estão satisfeitos com o que tem visto até agora. Eles são muito otimistas. Me sinto um cara de sorte. Eu tenho tido bastante apoio dos meus amigos e da minha família, além de pessoas ao redor do mundo. Tem sido incrível, realmente incrível.”

Paul: Então ainda irá demorar mais um tempo pra saber se o câncer foi completamente removido?

Chuck: “Isso mesmo, e é realmente uma bosta. Essa coisa toda de ficar esperando… é com certeza a pior parte. Se bem que os meus médicos são pessoas bastante otimistas. O fato é que estou tratando com alguns dos melhores especialistas que temos no país. Também estou indo num cara que pratica uns lances alternativos que são muito bons. Portanto, eu estou tendo o melhor dos dois mundos. Até lá, tudo o que eu posso fazer é relaxar na Florida e já estou trabalhando no próximo disco, na verdade, estou fazendo isso já que tenho esse tempo livre. Tenho feito às coisas que sempre fiz, fazendo churrascos, saindo com os meus amigos, escrevendo musica, além de alimentar meus gatos e cachorros. E isso é tudo o que eu realmente posso fazer.”

Paul: A doença tem afetado o seu dia a dia?

Chuck: “Sim, um pouco. O que está acontecendo é que… primeiramente eu achava que estava com um nervo pinçado. Primeiramente o meu pescoço estava doendo. Eu fui a um quiroprático e isso não surtiu efeito, aí fui num massagista. O que acabou funcionando por alguns dias e eu cheguei a me sentir melhor. Em seguida fui numa acupunturista. Consultei-me com ela cerca de cinco vezes e simplesmente não estava me ajudando. A essa altura, comecei a sentir uma fraqueza no meu braço esquerdo, e foi ela quem disse” Olha esse tratamento já deveria ter surtido efeito, recomendo que você procure um médico e faça uma tomografia. Foi quando me disseram: “Você tem um tumor no cérebro e ele está pressionando os nervos do seu pescoço”. Ironicamente, eu tinha um nervo pinçado. No momento, estou com um inchaço que está pressionando os meus nervos, o que tem atrapalhado os movimentos dos meus braços e pernas um pouco. Portanto, acaba afetando as minhas atividades diárias sim. Mas, eu tenho confiança em mim mesmo, e estou tocando guitarra e fazendo as coisas normalmente. Tenho trabalhado no meu jardim. Tenho feito tudo àquilo que eu quero, na medida do possível, é claro. É meio estranho ficar pensando que a radiação ainda está funcionando em mim, mas é o que acontece. Bem pesado…”

Paul: Você ainda sente dor?

Chuck: “Um certo desconforto. Não é dor. Só mesmo o desconforto. Você não pode chegar e dizer ‘Wow, foda-se essa situação!’ Eu quero continuar a fazer o que fazia normalmente, o máximo que eu puder. Eu moro numa casa, tenho que trabalhar no meu jardim. Tenho tempo livre, estou escrevendo material novo e tentando viver uma vida normal”.

Paul: Já que estão prevendo uma recuperação completa, a dor passará?

Chuck: “Sim, com certeza. No momento, a dor que tenho sentindo é resultado do inchaço. A radiação causou esse inchaço, o tumor em si também tem causado inchaço, foi isso que me fez pensar que tinha um nervo pinçado. Disseram-me que esse tipo de tumor – eu provavelmente o tenho há anos e não sabia – demora um tempo para chegar ao estágio se mistura com algo lá dentro e é aí que você sabe que tem algo de errado. Aí você pensa” Caralho, o que está acontecendo?”É aí que as pessoas percebem que o tem. Provavelmente está lá há anos, o que é bem insano–principalmente quando penso nesse tempo todo que passei berrando em cima de um palco. Você meio que pensa com si mesmo, “Que merda, isso com certeza não estava ajudando”.

Paul: Você chegou a se apresentar com dor?

Chuck: “Acho que não. Eu cheguei a me preocupar que gritar desse jeito durante tantos anos não é algo legal para se fazer com o seu cérebro! Mas o estilo vocal do Death é muito insano. Por uma hora e meia, duas horas em cima do palco todas as noites, eu nunca achei que esse fosse um estilo vocal um tanto quanto saudável. Eu com certeza não o recomendaria para ninguém. Quem sabe? E o stress também pode ser um fator importante em variados tipos de câncer. Você começa a ler sobre o assunto, e percebe que vários fatores podem contribuir para o aparecimento de um câncer”.

Paul: Você já disse que não gosta dos vocais de death metal, mas essa experiência o mudou como artista?

Chuck: “Com certeza, mas eu sempre tive como meta levar o Control Denied a frente assim que o Death acabasse a turnê. Eu só queria desesperadamente fugir do estilo vocal do Death, e do nome da banda, e seguir em frente por muitos anos. Eu me sentia bem à vontade na minha decisão de ir em frente com o Control Denied e fazer dele um trabalho em tempo integral”.

Paul: Você acha que o jeito de escrever pro Control Denied é diferente do jeito de escrever pro Death?

Chuck: “Na verdade, não. A verdade é que eu estava bem animado em saber que quando as partes de guitarras estivessem completas, eu não teria que gritar o tempo todo e de um jeito acabar estragando. Com o Death, eu sempre senti que as pessoas gostam da musica, mas não dos vocais, algo que eu compreendo. Eu era o primeiro a dizer, ‘É, eu entendo o que você está falando’ para essas pessoas. Portanto, quando chegou a hora de escrever para esse novo disco, eu fiquei feliz de saber que iria ouvir o tipo de vocal apropriado, alguém que pudesse realmente cantar. E sabendo que o nome da banda seria diferente, eu sabia que isso não importaria. Sério mesmo, a musica é bem parecida, tirando os vocais. Essa foi a beleza de todo o processo. Eu estava fazendo o que queria, mas indo em frente e do modo correto. Ao mudar o nome da banda e trazer um novo cantor, mas mantendo a atitude que eu acho que as pessoas irão esperar de mim após tantos anos. Algo que é muito difícil de fazer é mudar o seu modo de escrever. Se alguém chegasse pra mim e me pedisse pra escrever uma musica de rock comercial, eu acho que até conseguiria fazer, mas seria algo muito difícil para mim, digo, me simplificar dessa maneira. Quando chegou a hora de escrever, escrevi do modo como eu sempre escrevo, eu não queria jogar fora o que passei 14 anos construindo.

Paul: Então o Control Denied é na essência uma combinação de tudo o que você tem feito com o Death? Você precisava do Death para chegar ao Control Denied?

Chuck: “É isso o que eu acho. É definitivamente um link direto. Mais ou menos como gêmeos siameses, eles estão grudados, mas com certeza tem personalidades diferentes um do outro”.

Paul: Qual você espera que seja a reação dos fãs do Death?

Chuck: Eu acho que a maioria dos fãs do Death são cabeça aberta, pois o Death é tão melódico, progressivo e extremo de diferentes modos. Como no ano passado, durante a tour, eu via todo o tipo de camisas de metal na platéia que você possa imaginar – de Metallica a Slayer, passando por Pantera, Iron Maiden e King Diamond. Eu me sinto bastante abençoado, de um modo, que como banda nós temos um publico bastante variado. Mesmo com o Death sendo uma banda extrema, como eu disse, é ao mesmo tempo melódico. Por isso eu acho que com certeza os fãs irão gostar desse disco. Até agora, os comentários que ouço são do tipo, ‘Uau, a musica é bem parecida com o Death, mas os vocais a elevam a um nível completamente diferente.’ E era exatamente isso que eu queria ouvir das pessoas.”

Paul: Eu gosto do Death, mas os vocais fazem eu me afastar.

Chuck: “Eu também, sério mesmo. Eu sempre achei que os vocais são o link perdido do Death, especialmente nos últimos dois ou três álbuns. Mas eu não queria estragar. Muitas pessoas gostam desse estilo e eu queria me manter fiel ao que o Death era, e o significava para as pessoas. Mas era muito frustrante porque eu me sentia do mesmo que você. É muito broxante ser o cara que está cantando e se sentindo desse jeito, mas ainda assim eu dava tudo de mim em cima do palco porque as pessoas reconhecem quando você está fingindo.”

Paul: Você acha que as pessoas se sentirão traídas quando ouvirem você dizendo que os vocais são algo que você nunca gostou?

Chuck: “Eu fui muito aberto com relação a isso, bom, pelo menos por um tempo. Naturalmente, terá pessoas que dirão, ‘Ah, que se foda esse cara! Ele se acovardou’ Que se dane. Eu tenho 32 de anos de idade, e tenho feito isso há não sei quantos anos… há mais de uma década, 14 anos, enfim. É hora de seguirem frente. Vocêtem que evoluir. É como ter um restaurante e manter o mesmo cardápio pra sempre, é preciso adicionar coisas a ele. Você tem que adicionar variedade. Você não pode forçar as mesmas coisas na goela das pessoas por anos e anos a fio. Para mim, é uma simples questão de evoluir, fazer as coisas do modo correto. Eu não lancei um disco do Death com essas coisas. Eu tomei a decisão certa e mudei o nome da banda. Eu tento fazer tudo fazer tudo corretamente. Achei um cantor que além de melódico, consegue berrar pra cacete! Não é como se as pessoas irão ouvir um cantorzinho farofa. Esse cara grita pra caralho e estou muito orgulhoso dele. Ele fez um excelente trabalho. Não poderia ter achado ninguém melhor.”

Paul: Como você chegou até ele?

Chuck: “Eu o achei em 1996 que foi quando eu comecei a juntar esse material pro Control Denied. O guitarrista da banda dele naquela época, Psycho Scream, havia me mandado uma fita demo. O Guitarrista disse, ‘Se você está procurando por um guitarrista e um cantor, eu e meu cantor estamos interessados em fazer um teste pro Control Denied.’ Bem, eu já havia achado o Shannon – meu atual guitarrista – e disse a ele que queria ver se ele podia me apresentar ao Tim. Ele veio e fez o teste, nós fizemos uma fita demo e foi perfeito. Eu sabia que ele era o cara. Eu estava à procura de alguém que pudesse ser melódico, mas era importante achar alguém que pudesse ser bastante cru também. É muito difícil achar essa combinação.”

Paul: Fora isso, a line up é basicamente do Death, né?

Chuck: “Sim, quase isso. Na verdade, eu tive a volta do meu velho baixista, Steve DiGiorgio, que tocou conosco nos dois álbuns anteriores do Death. Ele é um dos melhores baixistas do mundo. Eu o conheço desde que tinha 18 anos. É uma grande honra para mim tê-lo a bordo novamente. Além disso temos Shannon nas guitarras e Richard Christy na bateria. Tem uma vibração bem familiar. Essa foi uma outra ação de eu querer manter as coisas intactas– eu queria que as pessoas soubessem que iriam ouvir algo familiar e poderiam esperar algo em alto padrão. Porque as pessoas esperam, existe um padrão pra ser mantido e estou bem ciente disso.”

Paul: O ano que se passou mudou o seus pontos de vistas em relação a vida e a sua carreira?

Chuck:”Sim, eu vejo as coisas de um modo bastante diferente. Eu estive envolvido na musica por muito tempo, meio que te faz pensar… na vida, nós tendemos a mergulhar de cabeça em qualquer que seja a atividade que estamos praticando e, com isso, esquecemos de olhar ao nosso redor, naquelas coisas que são realmente importante, coisas normais do dia a dia. Eu estive bem próximo a minha família. Eu sempre fui um cara bem família. Eu sempre adorei várias coisas normais, cozinhar e meus animais – meus gatos e cachorros – e ficar na companhia dos meus amigos, mas faz você repensar tudo, dar uma olhada, ‘Ah… essas são as coisas mais importantes da vida. A musica, naturalmente, é importante, mas faz você repensar as coisas e reavaliar também. A realidade o assusta bastante. te faz perceber que você perdeu contato com bastante pessoas ao longo do seu caminho. Ironicamente, eu falei com bastante pessoas com as quais não falava a bastante tempo. Muitas pessoas vieram do nada para dar o seu apoio e amigos que eu simplesmente perdi o contato’. Te faz pensar, ‘Porque maldito motivo eu não mantive contato com eles?’ Porque nós seguimos caminhos diferentes e nos distanciamos pelo o que fazemos com nossas vidas? Seja musica, ou você trabalha numa revista, é fácil se perder do mundo. Realmente é, e quando você passa por algo traumático como isso, te joga contra a parede e te faz parar pra pensar.”

Paul: Então basicamente fez você repensar a sua visão e o jeito que você encara a vida?

Chuck: “Com certeza. E como eu disse, eu sempre dei valor a minha família e coisas desse tipo. Mas definitivamente faz você olhar de outro modo. Um modo mais profundo. Definitivamente… quando eu estava passando pelos tratamentosem Nova York, fazia um tempo que eu não tocava a minha guitarra porque, eu, naturalmente, não a levei comigo. Eu fui para casa e me senti atraído para escrever – De um modo diferente, não do jeito normal que eu sinto vontade de escrever – eu preciso escrever. Eu acho que é porque eu sabia que ia ser como uma terapia para mim. Então, eu fui para casa e escrevi uma musica em um dia, eu simplesmente sentei e escrevi a musica e a letra. A musica com certeza será diferente para mim de agora em diante, na verdade tudo será de um jeito legal. Nós não damos valor às coisas como seres humanos. Nós temos uma tendência de não dar valor a nada. Mas às vezes temos que nos afastar e, infelizmente, às vezes você é forçado a dar esse passo para trás – como no meu caso. Musica sempre será diferente agora – num bom sentido. As coisas normais da vida é isso o que você começa a se focalizar.”

Paul: É uma pena que tenha que acontecer algo desse tipo para que você perceba isso, mas é bom que algo positivo tenha vindo disso tudo… Tem algo mais que você queira acrescentar?

Chuck: “Apenas que eu aprecio bastante o apoio de todos. Todo mundo que me escreveu – significa bastante para mim. Espero que as pessoas gostem do disco.”

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3 thoughts on “Death: leia uma das últimas entrevistas de Chuck Schuldiner”

  1. Eu n tive a chance de conhecer o Death enquanto Chuck ainda era vivo, infelizmente. Tudo que ele fez e da forma que fez, com certeza, influenciará para sempre todas as gerações futuras. Engraçado que aquilo que ele menos gostava no Death eram seus vocais.. e uma das coisas que mais me arrepia são seus gritos. Principalmente aquele notável Spirit Crusheeerrr!!!

    RIP Chuck Schuldiner

  2. meu querido Chuck, perfeccionista, queria ir além, seu legado jamais vai ser esquecido <3

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